SERVIÇO
PÚBLICO FEDERAL
MJ
– DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL
ACADEMIA
NACIONAL DE POLÍCIA
GERENCIAMENTO
DE CRISES
1995
MANUAL
DE GERENCIAMENTO DE CRISES
ÍNDICE
CAPÍTULO I
-
Introdução. Princípios básicos. Critérios de
ação..........................................
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pág._____
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CAPÍTULO II
-
Classificação dos graus de risco ou ameaças e níveis de
resposta. Fatores que influenciam na classificação. Elementos
essenciais de informações no gerenciamento de crises. Fontes de
informações. Tipologia dos causadores de eventos críticos e
gradação de sua
periculosidade.....................................................
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pág._____
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CAPÍTULO III
-
Fases da confrontação. A pré-confrontação ou preparo. Os
níveis de treinamento. A importância dos ensaios e sua
periodicidade. A reciclagem. As medidas preventivas. A difusão
doutrinária. Planos de segurança. Critérios básicos para sua
elaboração. A definição de responsabilidade. Elaboração de
responsabilidade. Elaboração e atualização das sinopses de
rotinas .........................
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pág._____
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CAPÍTULO IV
-
A resposta imediata. Tarefas preliminares de gerenciamento.
Elementos operacionais essenciais. O comandante da cena de ação.
Seu papel e responsabilidades nas diversas fases da confrontação
................................................
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pág._____
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CAPÍTULO V
-
Operação e organização do posto de comando
............................................
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CAPÍTULO VI
-
Elementos operacionais essenciais. O negociador. Seu papel e
responsabilidades. A utilização tática do negociador.
Características do negociador . O negociador
não-policial...............................................................................................
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pág._____
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CAPÍTULO VII
-
A negociação. Recomendações doutrinárias acerca da
negociação. Táticas de negociação. A ”síndrome de
Estocolmo”. Breve histórico desse fenômeno. Conseqüências
práticas da sua ocorrência. Efeitos da “síndrome de
Estocolmo” no negociador. A troca de reféns. A substituição
do negociador. O negociador................
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pág._____
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CAPÍTULO VIII
-
Elementos operacionais essenciais. O grupo tático especial
(“SWAT”). Evolução histórica do conceito “SWAT” nos
EUA. Componentes táticos de uma “SWAT”. Recomendações sobre
o recrutamento do pessoa de uma “SWAT”. Considerações de
natureza ética. O Comando de Operações Táticas (COT) do
Departamento de Polícia
Federal...................................................................................
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pág._____
|
CAPÍTULO IX
-
Perímetros táticos. Regras a serem observadas na sua
instalação...............
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pág._____
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CAPÍTULO X
-
O plano específico. O papel da inteligência nesta fase. Estudo
crítico das principais opções táticas em uso. A decisão para
uso de força letal. A rendição e a
resiliência........................................................................................................................
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pág._____
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CAPÍTULO XI
-
A resolução. Fundamentos teóricos da resolução com uso de
força letal. Preparativos finais para a execução dessa fase.
Atribuições do comandante da cena de ação nessa
fase.........................................................................................................
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pág._____
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CAPÍTULO XII
- A
vitimologia. Orientações gerais destinadas aos cidadãos para o
enfrentamento de situações de
crise..............................................................................
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pág._____
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CAPÍTULO
II
INTRODUÇÃO.
PRINCÍPIOS BÁSICOS. CRITÉRIOS DE AÇÃO.
INTRODUÇÃO
Gerenciamento
de Crises é um tema relativamente novo na atividade policial
brasileira.
Não
só o assunto crises
tem sido tratado de uma forma improvisada pelos diversos seguimentos
da polícia brasileira, como também se verifica que inexiste uma
doutrina de trabalho que pretenda dar ao problema uma abordagem de
caráter científico, evitando-se assim atitudes e desempenhos
tipicamente amadoristas.
No
caso específico do DPF, observa-se que até bem recentemente não
havia qualquer norma destinada a fixar parâmetros de comportamentos
na eventualidade de crises, além de, a nível de preparo em cursos
de formação e aperfeiçoamento de policiais, inexistir qualquer
disciplina concernente a essa problemática nos currículos da ANP.
Destarte
o Gerenciamento de Crises vinha sendo realizado de uma forma
não-ortodoxa, confiado que estava à capacidade de improvisação,
ao bom senso e – por que não dizer – ao “jeitinho” ou à
habilidade individual da autoridade policial encarregada de
solucionar as situações de crise, até bem pouco tempo um tanto
quanto esporádicas dentro da realidade criminal brasileira.
As
causas desse comportamento improvisado não cabem ser aqui
analisadas. Contudo, observa-se que, no atual estágio de evolução
da criminalidade no país, torna-se cada vez mais temerária a
manutenção de uma postura eminentemente amadorística no trato
desse complexo e delicado assunto.
O
advento de um regime de plenitude democrática no Brasil tornou os
criminosos cada vez mais audazes, pois se antes existia entre os que
delinqüem o temor do arbítrio, hoje prevalece a confiança de que a
democracia lhes assegura um tratamento humano por parte da polícia,
no caso de malogro das investidas criminosas, por mais ensandecidas
que sejam.
Tal
conjuntura acarretou um sensível aumento das situações de crise e
uma amplificação considerável de sua periculosidade.
Os
indicadores tendências, tanto no Brasil como no resto do mundo,
mostram com bastante clareza que, no futuro, tal quadro tende a
recrudescer, exigindo, portanto, que as organizações policiais se
preparem adequadamente para enfrentar tal realidade.
Nessas
condições, é louvável e de bom alvitre a decisão da Direção
Geral do DPF em adotar medidas com vistas a dar ao Gerenciamento de
Crises o tratamento estratégico e doutrinário que o assunto exige,
especialmente levando-se em consideração o fato de que a partir da
vigência da Instrução Normativa
nº 08/88-DG/DPF a Polícia Federal passou a Ter a responsabilidade
de assumir o comando das operações policiais, até solução final,
nos casos de apoderamento ilícito de aeronaves.
A
recente criação de um grupo tático especial subordinado
diretamente ao Coordenador Central Policial, em Brasília, o projeto
de formação, pela citada Coordenação, de grupos semelhantes e de
equipes de negociadores para atuarem a nível regional, e a decisão
de incluir a disciplina “Gerenciamento de Crises” nos currículos
do Curso Superior de Polícia e do Curso Especial de Polícia da ANP
são exemplos bem claros da nova postura adotada no trato dessa
importante problemática.
No
FBI e em quase todas as polícias norte-americanas o gerenciamento de
Crises já vem há mais de duas décadas recebendo um tratamento
científico, estando atualmente à matéria consolidada em bases
doutrinárias consistentes.
Nas
academias de polícia dos EUA, o Gerenciamento de Crises é matéria
de grande importância, tanto nos cursos de formação como nos
cursos de aperfeiçoamento de policiais. Nenhum executivo de polícia
daquele país deixou de Ter algum contato com essa disciplina.
E
o resultado dessa política é que as crises são tratadas de uma
maneira quase uniforme nos EUA, verificando-se destarte, que apesar
das diferenças de legislação de um estado para outro, as
organizações policiais (não importa qual seja a sua natureza)
adotam uma mesma doutrina de trabalho com relação a esse assunto e,
o que é mais importante, falando uma mesma linguagem. A Academia
Nacional do FBI mantém no seu currículo um curso de Gerenciamento
de Crises ministrado em 22 horas-aula, no qual não apenas se aprende
a doutrina do FBI sobre crises, mas também se tem a possibilidade de
efetuar uma troca de experiências entre os participantes, através
de debates e seminários.
PRINCÍPIOS BÁSICOS
No
estudo do Gerenciamento de Crises, como em qualquer outro ramo do
conhecimento científico, há necessidade do estabelecimento de
certos princípios básicos e definições para uma maior
uniformidade doutrinária. O primeiro desses conceitos a ser
abordados seria o conceito de crise.
O
que é uma crise?
A
Academia Nacional do FBI define crise como:
“UM
EVENTO OU SITUAÇÃO CRUCIAL, QUE EXIGE UMA RESPOSTA ESPECIAL DA
POLÍCIA, A FIM DE ASSEGURAR UMA SOLUÇÃO ACEITÁVEL”.
Observe-se
que na definição acima foi sublinhada a expressão “da polícia”,
numa clara alusão ao fato de que a responsabilidade gerenciar e
solucionar as situações de crise é exclusivamente da polícia. A
utilização de religiosos, psicólogos, elementos da mídia e outros
na condução e resolução de crises é inteiramente inconcebível,
apesar de inúmeros precedentes, principalmente na recente crônica
policial brasileira.
Tais
deturpações, além de comprometerem a confiabilidade e a imagem dos
organismos policiais, trazem implicações e conseqüências
jurídicas imprevisíveis, principalmente no âmbito da
responsabilidade civil do Estado, conforme se verá mais adiante.
Definido
o que seja Crise, é muito importante que se enumerem as suas
características essenciais.
Toda
crise apresenta as seguintes características:
1.
Imprevisibilidade;
2.
Compreensão de tempo (urgência);
3.
Ameaça de vida; e
4.
Necessidade de:
a)
Postura organizacional não-rotineira;
b)
Planejamento analítico especial e capacidade de implementação e;
c)
Considerações legai especiais.
Dessas características, é importante
salientar que, de acordo com a doutrina do FBI, a
ameaça de vida
configura-se como componente do evento crítico, mesmo quando a vida
em risco é a do próprio indivíduo causador da crise. Assim, por
exemplo, se alguém ameaça se jogar do alto de um prédio, buscando
suicidar-se, essa situação é caracterizada como uma crise, ainda
que inexistam outras vidas em perigo.
A
necessidade de uma postura
organizacional não-rotineira
é de todas as características essenciais, aquela que talvez cause
maiores transtornos ao processo de gerenciamento de crises. Contudo,
é a única cujos podem ser minimizados, graças a um preparo e a um
treinamento prévio da organização para o enfrentamento de eventos
críticos.
Sobre
a necessidade de um planejamento
analítico especial
é importante salientar que a análise e o planejamento durante o
desenrolar de uma crise são consideravelmente prejudicados por
fatores como a insuficiência de informações sobre o evento
crítico, a intervenção da mídia e o tumulto de massa geralmente
causado por situações dessa natureza.
Finalmente,
com relação às considerações
legais especiais
exigidas pelos eventos críticos, cabe ressaltar que, além de
reflexões sobre temas como estado de necessidade, legítima defesa,
estrito cumprimento do dever legal, responsabilidade civil, etc., o
aspecto da competência para atuar é aquele que primeiro vem à
baila, ao se Ter notícia do desencadeamento de uma crise. “Quem
ficará encarregado do gerenciamento?” – é o primeiro e mais
urgente questionamento a ser feito, sendo muito importante na sua
solução um perfeito entrosamento entre as autoridades responsáveis
pelas organizações policiais envolvidas.
Além
dessas características essenciais, uma crise poderá ainda
apresentar outras características peculiares como:
- a necessidade de muitos recursos para a sua solução;
- ser um evento de baixa probabilidade de ocorrência e de graves conseqüências;
- ser caótica;
- ter um acompanhamento próximo e detalhado, tanto pelas autoridades como pela comunidade e pela mídia.
Passemos
agora a examinar o conceito de Gerenciamento de Crises.
A
Academia Nacional do FBI adota a seguinte definição:
“GERENCIAMENTO
DE CRISES É O PROCESSO DE IDENTIFICAR, OBTER E APLICAR OS RECURSOS
NECESSÁRIOS A ANTECIPAÇÃO E RESOLUÇÃO DE UMA CRISE”.
O
Gerenciamento de Crises pode ser descrito como um processo racional e
analítico de resolver problemas baseados em probabilidades.
Trata-se
de uma ciência que deve lidar, sob uma tremenda compressão de
tempo, com os mais complexos problemas sociais, econômicos,
políticos, ideológicos e psicológicos da Humanidade, nos momentos
mais perigosos de sua evolução, isto é, quando
eles manifestam em termos destrutivos.
É
importante lembrar que o Gerenciamento de Crises não é uma ciência
exata, uma panacéia ou um processo rápido e fácil de solução de
problemas, pois cada crise apresenta características únicas,
exigindo, portanto, soluções individualizadas, que demandam uma
cuidadosa análise e reflexão.
Cabe
agora fazer a seguinte indagação:
Por
que a capacidade de gerenciamento de crises é necessária para todas
as organizações policiais?
Há
três razões para isso.
Em
primeiro lugar, a responsabilidade
da organização policial.
Crises
mal gerenciadas podem acarretar problemas de responsabilidade Civil
para o Estado, especialmente nos casos em que ocorreram mortes de
reféns ou de pessoas inocentes.
Nos
EUA, ficou célebre a ação movida pelos DOWNS contra a União, em
virtude da morte de um dos membros daquela família num caso de uma
crise mal conduzida (segundo os familiares), pelo FBI.
Em
segundo lugar, a crise é não-seletiva
e inesperada.
Em outras palavras, ninguém está imune à ocorrência de uma crise
em sua área de atuação e tampouco pode prever quando esse evento
vai ocorrer. Sendo assim, toda e qualquer organização policial há
que estar adredemente preparada para o enfrentamento de um evento
crítico.
Finalmente,
a ação
da mídia
durante os eventos críticos.
Essa
ação, onipresente principalmente em conjuntura de liberdades
democráticas, faz com que os erros porventura cometidos pelos órgãos
policiais no gerenciamento de uma crise sejam vistos sob uma lente de
aumento. Além disso, a ampla divulgação de tais erros causa um
desgaste da confiança do público na organização policial e um
constrangimento natural dentro da própria comunidade policial.
Outra
importante indagação:
Pôr
que o Gerenciamento de Crises exige estudos e treinamentos especiais?
A
resposta fundamenta-se nas seguintes razões:
a)
As características da crise causam “stress”
b)
O “stress” reduz a capacidade de desempenho em tarefas de solução
de problemas.
c)
O Gerenciamento de Crise é uma complexa tarefa de solução de
problemas.
d)
Os resultados da incompetência profissional podem ser imediatos.
Sendo
assim, não resta a menor dúvida de que os estudos e treinamentos
especiais são um imperativo para qualquer policial
que,independentemente do seu nível hierárquico, pretenda gerenciar
crises.
Além
disso, é importante salientar que esses estudos e treinamentos devem
ser constantemente reciclados, através de exercícios periódicos.
Quanto mais treinada e preparada estiver uma organização policial
para o enfrentamento de eventos críticos, maiores serão as suas
chances de obter um bom resultado.
Esses
estudos e treinamentos especiais, tecnicamente denominados de
pré-confrontação.
São os principais escopos deste Curso de Gerenciamento de Crises.
Finalmente, para concluir esta parte introdutória, é importante
mencionar os objetivos do Gerenciamento de Crises.
OBJETIVOS
Qualquer
tarefa de Gerenciamento de Crises tem duplo objetivo:
a)
PRESEVAR VIDAS; e
b)
APLICAR A LEI.
Esses
dois objetivos estão enumerados numa ordem rigorosamente axiológica.
Isto significa que a preservação de vidas deve estar, para os
responsáveis pelo gerenciamento de um evento crítico, acima da
própria aplicação da lei. E dentre as vidas a serem preservadas,
as das pessoas inocentes têm absoluta prioridade.
A
crônica policial tem demonstrado que, em muitos casos, optando pôr
preservar vidas inocentes, mesmo quando isso contribua para uma
momentânea fuga ou vitória dos elementos causadores da crise, os
responsáveis pelo gerenciamento da crise adotaram a linha de conduta
mais adequada, em virtude de uma ulterior captura dos meliantes.
A
aplicação da lei pode esperar pôr alguns meses até que sejam
presos os desencadeadores da crise, enquanto que as perdas de vidas
são irreversíveis.
Do
equilíbrio do executivo de polícia na busca dos dois objetivos
fundamentais do Gerenciamento de Crises pode resultar o bom êxito da
sua missão.
CRITÉRIOS DE AÇÃO
No
desempenho de sua árdua missão, o comandante
da cena de ação (também
chamado de comandante do
teatro de operações),
assim como toda e qualquer pessoa que participa do processo de
gerenciamento de uma crise, está, durante todo o desenrolar do
evento, tomando decisões dos mais diversos jaezes e pertinentes aos
mais variados assuntos.
Nesse
processo decisório, essas pessoas se vêem amiúde diante de dilema
do tipo “faço ou não faço”. Decisões desde as mais simples
às mais complexas vão sendo tomadas a todo o momento, envolvendo
matérias tão díspares como o fornecimento de água ou alimentação
para os reféns e para os elementos causadores da crise, o
atendimento médico de urgência a um refém no interior do ponto
crítico, o corte de linha telefônica ou da luz elétrica daquele
ponto ou até mesmo o uso de força letal.
Aos
processos de tomadas de decisão não faltam também o exame e a
análise das sugestões e das propostas de solução que chegam em
avalancha ao local da crise. Essas sugestões vão desde as mais
fantasiosas às mais intrincadas e engenhosas, passando pôr algumas
prosaicas ou grosseiras e outras que chegam a ser simplesmente
estúpidas.
“Ponham
um soporífero na comida para que todos durmam”, sugere um; “façam
algazarra para que os bandidos não possam dormir e se entreguem pelo
cansaço”, sugere outro; “deixem que eles fujam com os reféns e
com o dinheiro”, implora aquele outro, “usem a ´SWAT´ para
acabar logo com isso”, exigem os mais radicais, e assim por
diante.
Para
balizar e facilitar o processo decisório no curso de uma crise, a
doutrina estabelece o que se chama critérios
de ação.
Critério
de ação são os
referenciais que servem para nortear o tomador de decisão em
qualquer evento crítico.
Quais
são esses critérios de ação?
A
doutrina de gerenciamento de crises do FBI estabelece três critérios
de ação, a saber: a necessidade,
a validade do risco
e a aceitabilidade.
Vejamos
agora cada um deles.
O
critério da necessidade
indica que toda e qualquer ação somente deve ser implementada
quando for indispensável. Se não houver necessidade de se tomar
determinada decisão, não se justifica a sua adoção.
Em
outras palavras os responsáveis pelo gerenciamento da crise – e
com muito mais razões o comandante da cena de ação – deverão,
antes de tomar determinada decisão, se fazer a seguinte pergunta:
“isso é realmente necessário?”.
O
critério da validade
do risco,
originalmente denominado em inglês de “risk-effectiveness”,
preconiza que toda e qualquer ação tem que levar em conta se os
riscos dela advindos são compensados pelos resultados.
A
pergunta que se deve fazer agora é: “vale a pena correr esse
risco?”
Trata-se,
evidentemente, de um critério muito difícil de ser seguido, por
envolver fatores tanto de ordem subjetiva (o que é arriscado para um
não é para outro) como objetiva (o que é ou foi anódino ou
proveitoso numa crise, pode ser de alto risco em outra).
Na
busca de parâmetro mais preciso para esse critério de ação, a
Academia Nacional do FBI recomenda que a validade do risco é
justificada “quando a
probabilidade de redução da ameaça exceder os perigos a serem
enfrentados e a continuidade do status quo”
O
terceiro critério de ação, a aceitabilidade,
implica em que toda ação deve ter respaldo legal,
moral
e ético.
A
aceitabilidade
legal
significa
que o ato deve estar amparado pela Lei.
Considerando
que o policial, no exercício de suas atribuições, responde civil,
penal e administrativamente pelos seus atos, é obvio que qualquer
decisão ou ação que tomar no curso de uma crise deve estar em
consonância com as normas em vigor.
A
crise, por mais séria que seja, não dá aos que a gerenciam
prerrogativas de violar as leis, mesmo porque, como vimos
anteriormente neste capítulo, uma das finalidades do Gerenciamento
de Crises é justamente aplicar a lei.
Sendo
assim, toda uma gama de problemas de ordem legal vem à baila por
ocasião da eclosão de um evento crítico. Temas como a
responsabilidade civil, a legítima defesa de terceiros, o estado de
necessidade, o exercício regular de direito e o estrito cumprimento
do dever legal, entre outros, devem ser discutidos e levados em
consideração no processo decisório, para evitar o desamparo legal
das ações a serem desencadeadas.
Dentre
essas discussões de ordem jurídica, talvez a primeira que vem à
tona é a da competência, isto é, a quem vai competir o
gerenciamento da crise?
Essa
dificuldade prática de definir competência não é privilégio do
Brasil. Os próprios americanos reconhecem que um das primeiras
indagações a serem feitas ao se depararem com uma crise é “who
is in charge?”
(“quem
está encarregado?)”
Esse
problema é de suma importância e a sua não-solução tumultua o
processo de gerenciamento (e conseqüentemente, decisório) muito
mais do que se possa imaginar.
Somente
a título de exemplo poder-se-ia citar o caso do motim de presos
ocorrido no dia 13 de novembro de 1989, em Piraquara/PR, na
Penitenciária Central do Estado do Paraná, onde o gerenciamento da
crise ficou durante boa parte do tempo indefinido, haja vista que se
tratava de assunto de imediato interesse e competência dos seguintes
órgãos: a Secretaria de Segurança Pública do Estado (representada
no local da crise pela PM/PR e pelo Centro de Operações Especiais
–COPE, da Polícia Civil), a Secretaria de Justiça (representada
pelo Departamento Penitenciário Estadual – DEPEN), o Juiz das
Execuções Penais do Estado do Paraná e o Ministério Público
Estadual.
Ao
fim do evento, à falta de uma definição da competência,
prevaleceu a autoridade do Juiz das Execuções Penais, que assumiu a
condição de gerenciador da crise e de comandante da cena de ação,
autorizando, inclusive, no desenlace da crise, o uso de força letal.
A
aceitabilidade
deve também abranger o campo moral.
Isso
significa que não devem ser tomadas decisões ou praticadas ações
que estejam ao desamparo da moralidade e dos bons costumes.
Suponha-se
que determinado causador de evento crítico inclua, no rol de suas
exigências, que determinada mulher atraente (uma atriz famosa, por
exemplo) lhe conceda favores sexuais como condição para liberação
dos reféns. Essa exigência, ainda que conte com a anuência da
referida mulher, que, num gesto patriótico ou humanitário, se
ofereça voluntariamente para ser submetida aos caprichos do referido
elemento, não pode nem deve ser tolerada pelos responsáveis pelo
gerenciamento da crise.
A
aceitabilidade
inclui também a ética.
Dentro
desse raciocínio não pode o responsável pelo gerenciamento de
crise tomar decisões nem exigir dos seus subordinados a prática de
ações que causem constrangimentos “interna
corporis”, no seio do
organismo policial. Nesse sentido, é clássico o exemplo do policial
que se oferece como voluntário para ser trocado por algum refém.
Essa
troca –se tolerada – acarreta questionamentos éticos de natureza
bastante intrincada, que podem resultar em abalos profundos na coesão
do grupo policial.
Ao
se aceitar que um policial passe à condição de refém em troca de
outrem, não se está solucionado a crise, mas tão-somente se lhe
aduzindo um ingrediente de impacto ético polêmico e de
conseqüências imprevisíveis.
Preliminarmente,
vem a indagação moral sobre se a vida do policial vale mais ou
menos do que a do refém por quem foi trocado. Depois, ao aceitar a
troca, coloca-se um profissional numa situação bem pior do que a de
um refém comum, pois os bandidos passarão a enfocar seus cuidados e
desconfianças naquele elemento recém-ingressado no ponto crítico,
que, por ser um policial, tem em tese treinamento especial e pode
estar disposto a tentar, a qualquer momento, uma reação.
Por
outro lado, o policial que passa à condição de refém, apesar das
instruções que tenha recebido dos seus superiores antes da troca,
pode, a partir de certa altura dos acontecimentos, começar a se
questionar se deve ou não deve tentar alguma saída ou atitude
heróica, porquanto, a vista da sociedade e dos seus colegas de
trabalho, ele é um profissional que fez um juramento de, se
necessário, sacrificar até a própria vida no cumprimento de sua
missão.
Se
dentro do ponto crítico a tensão aumenta com esses questionamentos
dos bandidos e do policial agora refém, lá fora, entre os que
participam do gerenciamento da crise, não menos carregado e nervoso
se torna o ambiente, pois se antes se lidava com uma crise onde havia
simplesmente reféns, agora se lida com uma crise em que um dos
reféns é um colega de trabalho, conhecido de todos e até, às
vezes, estimado e respeitado.
Dentro
dessa ordem de idéias, a ação da troca de policiais por reféns é
um perfeito exemplo de decisão que não obedece ao critério da
aceitabilidade ética.
Da
fria observância dos critérios de ação, os responsáveis pelo
gerenciamento de uma crise podem evitar que, após a debelação do
evento, sejam submetidos às barras dos tribunais, à crítica da
sociedade e da mídia, ou ao reproche dos seus pares.
TEMAS PARA DISCUSSÃO
- O Gerenciamento de Crises pode ser tratado de forma improvisada?
- Uma autoridade policial toma conhecimento, subitamente, de que no aeroporto da cidade acaba de pousar uma aeronave que se acha em poder de um grupo de homens armados. Quais os benefícios que traria a essa autoridade policial o conhecimento de princípios gerais de Gerenciamento de Crises na condução do episódio?
- As conseqüências da existência de uma doutrina de Gerenciamento de Crises na uniformidade de tratamento aos eventos críticos.
- A existência de uma doutrina de Gerenciamento de Crises influencia, de alguma forma, a letalidade aos eventos críticos ou lhes abrevia a solução?
- Questionamentos legais especiais que podem surgir numa crise.
- Questionamentos axiológicos relacionados com a consecução dos objetivos fundamentais do Gerenciamento de Crises.
- Como analisar as propostas e sugestões apresentadas por cidadãos e por autoridades civis para solução de uma crise?
- O trato com a mídia, à luz dos critérios de ação.
- Durante um evento crítico, o comandante da cena de ação aceitou uma sugestão de pôr soporífero na sopa que foi servida aos bandidos e reféns. Como resultado, uma refém idosa, que tinha hipersensibilidade ao medicamento, veio a falecer. Analise a referida decisão sob a ótica dos critérios de ação da doutrina de gerenciamento de crises, especialmente no tocante ao critério da aceitabilidade legal.
- O uso da força letal e suas conseqüências jurídicas no que concerne à legítima defesa de terceiros e ao estado de necessidade.
- Por que não se deve fornecer armas, quando exigidas por elementos causadores de um evento crítico?
- Em princípio, quase todas as exigências dos causadores de eventos críticos são ilegais. Até mesmo, por exemplo, o fornecimento de uma viatura para fuga. Analise esse aspecto do problema em confronto com o critério de ação da aceitabilidade legal.
- “Vamos deixá-los fugir, levando consigo os reféns e o dinheiro do roubo”. Analise essa decisão de uma autoridade hipotética, sob o crivo do critério de ação da aceitabilidade (legal, moral e ética).
- O falecido jornalista PAULO FRANCIS, em sua coluna “Diário da Corte”, publicada em vários jornais do país, comentando o massacre de Eldorado dos Carajás, no Sul do Pará, ocorrido em 1996, assim se expressou:
“Paris
– Não teve a menor repercussão na Europa, como nos Estados
Unidos, o episódio dos sem-terra. A idéia de que esses senhores e
senhoras reagiram a polícia que atirava no ar não coincide com o
videoteipe que vi ou com a simples lógica. Os sem-terra estavam
bloqueando uma estrada e ameaçando invadir propriedades. A polícia
é que reagiu a seus ataques primitivos, com foice, enxada e pedra.
Depois alguns revólveres... Uma polícia treinada para o que se
chama de controle de motins não teria matado ninguém. Mas o que se
esperar de um meganha subnutrido que ganha dois salários mínimos
por mês, se tanto?”.
Analise
esse comentário jornalístico sob o enfoque da necessidade de
conhecimento da doutrina de gerenciamento de crises por todos os
organismos policiais.
CAPÍTULO
II
CLASSIFICAÇÃO
DOS GRAUS DE RISCO OU AMEAÇA E NÍVEIS DE RESPOSTA. FATORES QUE
INFLUENCIAM NA CLASSIFICAÇÃO. ELEMENTOS ESSENCIAIS DE INFORMAÇÕES
NO GERENCIAMENTO DE CRISES. FONTES DE INFORMAÇÕES. TIPOLOGIA DOS
CAUSADORES DE EVENTOS CRÍTICOS E GRADAÇÃO DE SUA PERICULOSIDADE.
CLASSIFICAÇÃO
DOS GRAUS DE RISCO OU AMEAÇA
Deflagrada
uma crise, uma das primeiras operações mentais realizadas pelo
responsável pelo seu gerenciamento é classificar o grau de risco ou
ameaça representado pelo evento.
Nessas
condições, a doutrina estabelece uma escala de risco ou ameaça,
que serve de padrão para a classificação da crise, a exemplo do
que ocorre com a Escala Richter, em relação aos terremotos.
Essa
classificação obedece a um escalonamento de quatro graus:
1º
Grau – ALTO RISCO
2º
Grau – ALTÍSSIMO RISCO
3°
Grau – AMEAÇA EXTRAORDINÁRIA
4°
Grau – AMEAÇA EXÓTICA
A
título de exemplo, o FBI classifica uma crise como de alto
risco
o caso de um assalto a banco promovido por uma pessoa armada de
pistola ou revólver, sem reféns.
Já
uma situação de altíssimo
risco
é exemplificada como o caso de um assalto a banco por dois elementos
armados de “shotguns” ou metralhadoras mantendo três ou quatro
pessoas como reféns.
Ainda
exemplificando, uma ameaça
extraordinária
é descrita como sendo o caso de quatro terroristas armados de
metralhadoras ou outras armas automáticas, mantendo oitenta reféns
a bordo de uma aeronave.
Quanto
à ameaça exótica, conforme o próprio nome indica, trata-se do
exemplo típico de um elemento, que, munido de um recipiente contendo
veneno, vírus ou material radioativo de alto poder destrutivo ou
letal, venha, por qualquer motivo, a ameaçar uma população dizendo
que pretende lançar aquele material em seu poder no reservatório
d’água da cidade.
ELEMENTOS ESSENCIAIS DE INFORMAÇÃO
Como
pode ser observado, esses exemplos dados, pelo FBI são meramente
ilustrativos e o enquadramento de um evento crítico nessa escala
varia de país para país e também
em função dos princípios doutrinários da organização policial
envolvida. Outro fator ponderável é a diagnose da situação, a ser
feita pelo policial responsável pelo gerenciamento da crise.
Essa
diagnose e a conseqüente classificação do grau de risco ou ameaça
depende de vários fatores a serem avaliados, os quais integram os
chamados elementos essenciais de informação que são quatro:
BANDIDOS
REFÉNS
OBJETIVO
(ou PONTO CRÍTICO)
ARMAS
Os
fatores integrados por esses quatro elementos essenciais de
informação são múltiplos e variados, deles dependendo a exatidão
da classificação do grau de risco ou ameaça. Por essa razão, uma
detalhada avaliação das diversas variáveis de cada um desses
elementos essenciais de informação faz-se necessária.
Enumerando
algumas dessas variáveis, poder-se-ia citar:
- Nos BANDIDOS: seu número, sua motivação (política, religiosa, pecuniária, etc.), seu estado mental, sua habilidade no manuseio de armas, sua experiência anterior em casos semelhantes, etc.;
- Nos REFÉNS: seu número, sua idade, sua condição física (inclusive se estão ou não feridos), sua localização no ponto crítico, sua proeminência ou relevância social, etc.;
- No OBJETIVO (ou PONTO CRÍTICO: sua localização, seu tamanho, sua vulnerabilidade, suas peculiaridades (se é um edifício, uma aeronave ou um navio), as condições do terreno que o circunda, as condições do tempo no local, etc.; e
- Nas ARMAS: sua quantidade, tipo, letalidade, localização no ponto crítico, etc.
Como
se vê, há uma extensa gama de variáveis dentro dos elementos
essenciais de informação que deve ser considerada para que a
classificação do grau de risco ou ameaça acarretada pela crise
seja convenientemente realizada.
Essa
classificação do grau de risco ou ameaça não é uma imposição
meramente didática.
Ela
tem importantes reflexos operacionais e de gerenciamento, pois é a
partir dessa classificação que o organismo policial encarregado de
gerenciar o evento crítico oferecerá o nível de resposta
compatível.
NÍVEIS DE RESPOSTA
A
cada grau de risco ou ameaça corresponde um nível de resposta do
organismo policial. Esse nível de resposta sobe gradativamente na
escala hierárquica da entidade, na medida em que cresce o vulto da
crise a ser enfrentada.
Os
níveis de resposta adequados a cada grau de risco ou ameaça são
quatro:
NÍVEL
UM
– A crise pode ser debelada com RECURSOS
LOCAIS.
NÍVEL
DOIS
– A solução da crise exige RECURSOS
LOCAIS
ESPECIALIZADOS
(Emprego de “SWAT”).
NÍVEL
TRÊS
– A crise exige RECURSOS
LOCAIS
ESPECIALIZADOS
e também RECURSOS
DO QG.
NÍVEL
QUATRO
– A solução da crise requer o emprego dos RECURSOS
DO NÍVEL TRÊS
e também RECURSOS
EXÓGENOS.
Como
se pode verificar, a cada grau de risco ou ameaça representado por
uma crise existe um nível de resposta compatível. Esse nível de
resposta vai desde o emprego dos recursos locais não-especializados
(no caso de um assalto a banco sem reféns, por exemplo), até o caso
em que é necessário o emprego de todos os recursos da organização
policial e também dos chamados recursos exógenos, isto é, aqueles
pertencentes a outras organizações, inclusive não-policiais.
À
medida que o grau de risco ou ameaça sobe na escala de
classificação, o nível de resposta a ser dado adquire maior vulto
nos recursos a serem empregados e na escala hierárquica do órgão
policial envolvido.
Suponha-se
o caso de um grupo de elementos que por qualquer motivação pretenda
lançar césio-137 no reservatório de água potável de São Paulo,
caso não lhes sejam atendidas certas exigências.
Uma
crise desse vulto, classificada como ameaça
exótica,
não pode ter sua solução entregue pura e simplesmente ao delegado
do distrito policial onde está localizado o reservatório d’água.
A solução de um evento dessa natureza vai envolver necessariamente
a alta cúpula da polícia estadual, que não poderá prescindir da
orientação e da assessoria de técnicos da Comissão Nacional de
Energia Nuclear.
Uma
correta avaliação do grau de risco ou ameaça representado por uma
crise concorre favoravelmente para a solução do evento,
possibilitando, desde o início, o oferecimento de um nível de
resposta adequado à situação, evitando-se, destarte, perdas de
tempo desnecessárias.
Importa
finalmente ressaltar que a avaliação inicial do grau de risco ou
ameaça é sempre feita pela autoridade policial que primeiramente
toma ciência do evento crítico. Essa avaliação, em que pese ser
muitas vezes provisória, depende, como se viu mais acima, dos
elementos essenciais de informação de que dispõe inicialmente a
autoridade policial.
A
coleta desses elementos essenciais de informação é quase sempre
penosa e de difícil confirmação. Freqüentemente dados de vital
importância como, por exemplo, os números de bandidos ou de reféns,
somente vêm a ser confirmados após o epílogo da crise.
Nessas
condições o responsável pelo gerenciamento de uma crise há que
estar alertado para, o fato de que a coleta de dados de informações
acerca do evento crítico ocorre quase sempre de maneira indireta,
sendo importante atentar para as chamadas fontes
de informações.
FONTE DE INFORMAÇÃO
Quais
são, pois, essas fontes de informações?
Elas
podem ter as mais diversas origens e roupagens, todavia a prática
tem demonstrado que as principais fontes de informações em eventos
críticos são as seguintes:
- Reféns liberados ou que tenham conseguido fugir;
- Os negociadores;
- Os policiais encarregados de observar o ponto crítico ou que estejam na condição de franco-atiradores (atirador de precisão);
- Investigações;
- Documentos a respeito dos bandidos e do ponto crítico, tais como, mapas, croquis, fotografias, etc;
- Vigilância técnica do ponto crítico;
- A mídia; e
- As ações táticas de reconhecimento.
TIPOLOGIA DOS CAUSADORES DE EVENTOS CRÍTICOS
De
todos os elementos essenciais de informações, os bandidos despontam
como os mais importantes de todos. Eles são os causadores da crise,
eles é que fazem as exigências, com eles é que vão ser encetadas
as negociações, deles é que dependem as vidas dos reféns e eles é
que serão enfrentados pelos policiais, no caso de optar pelo uso de
força letal.
Assim
sendo, é da mais vital importância que se enfatize a coleta de
informações sobre os bandidos. As suas motivações, os seus
antecedentes, a sua periculosidade, a sua destreza no manuseio de
armas, etc., são exemplos de dados que devem ser exaustivamente
levantados ao longo da crise. Disso pode muitas vezes depender uma
solução satisfatória do evento.
Na
tentativa de auxiliar as autoridades policiais nessa difícil tarefa
de coleta de dados acerca dos bandidos, os estudiosos da disciplina
Gerenciamento de Crises têm procurado desenvolver uma tipologia dos
causadores de eventos críticos.
O
Capitão FRANK
A. BOLZ JÚNIOR1,
do Departamento de Polícia de Nova Iorque/EUA, na sua obra “How
to be a Hostage and live”
(“Como ser um refém e sobreviver”) (*), classifica-os em três
tipos fundamentais.
O
primeiro deles é o criminoso
profissional.
É o indivíduo que se mantém através de repetidos furtos e roubos
e de uma vida dedicada ao crime.
Essa
espécie de criminoso geralmente provoca uma crise por acidente,
devido a um confronto inesperado com a polícia, na flagrância de
alguma atividade ilícita. Com a chegada da polícia, o elemento
agarra a primeira pessoa ao seu alcance como refém e passa a
utiliza-la como garantia para a fuga, neutralizando assim a ação
dos policiais.
O
grande perigo desse tipo de causadores de eventos críticos está nos
momentos iniciais da crise. Os primeiros quarenta e cinco minutos são
os mais perigosos. Após esse período de tempo, vendo-se senhores da
situação, esses denominados criminosos profissionais são até
fáceis de lidar.
O
segundo tipo é o emocionalmente
perturbado.
Pode ser um psicopata ou simplesmente alguém que não conseguiu
lidar com seus problemas de trabalho ou de família, ou simplesmente
um psicopata que esteja completamente divorciado da realidade.
O
exemplo clássico que se tem desse tipo de causador de eventos
críticos no Brasil é o daquele desempregado que se apoderou de um
jato da VARIG, em Goiânia/GO, em novembro de 1988, exigindo que o
piloto jogasse o avião sobre o Palácio do Planalto, “para matar o
Presidente José Sarney”.
Estatisticamente,
nos Estados Unidos, esse é o tipo de indivíduo que causa a maioria
dos eventos críticos. Brigas domésticas, problemas referentes à
custódia de menores, empregados revoltados ou alguma mágoa com
relação a autoridade de destaque podem ser o estopim para a prática
de atos que redundem em crises. Segundo BOLZ, essas situações são
as mais difíceis de lidar.
O
nível de ansiedade e, muitas vezes, a própria racionalidade do
elemento causador do evento crítico podem subir e descer
vertiginosamente, “como uma montanha russa”, dificultando a
negociação.
Não
se possuem, no Brasil, dados estatísticos confiáveis que possam
indicar com exatidão o percentual representado por esse tipo de
causadores de eventos críticos no universo de crises registradas no
país.
O
terceiro e último tipo é o terrorista
por motivação política.
Apesar
de não ostentar uma liderança estatística como os emocionalmente
perturbados, essa espécie de causadores de eventos críticos é, de
longe, a que causam maior estardalhaço. Basta uma olhada nos jornais
para se verificar as repercussões causadas por esse tipo de evento,
ao redor do mundo.
É
que pela própria essência desses eventos, geralmente cuidadosamente
planejados por grupos com motivação política ou ideológica, a
repercussão e a divulgação constituem, na maioria das vezes, o
principal objetivo da crise, que se revela como uma oportunidade
valiosa para críticas às autoridades constituídas e para revelação
dos propósitos ou programas do grupo.
No
Brasil, essa categoria de causadores de eventos críticos foi muito
ativa durante o início da década de 70, no auge do regime militar,
mas atualmente não se tem registrado ocorrências dessa natureza.
Uma
subespécie dessa categoria de causadores de eventos críticos seria
o terrorista
por motivação religiosa.
É
muito difícil, segundo BOLZ,
lidar com esse tipo de elemento, porque não pode haver nenhuma
racionalização através do diálogo, o que praticamente inviabiliza
as negociações. Ele não aceita barganhar as suas convicções e
crenças.
Quase
sempre, o campo de manobra da negociação fica reduzido a tentar
convencer o elemento de que ao invés de “morrer pela causa”,
naquele evento crítico, seria muito mais proveitoso sair vivo “para
continuar a luta”. BOLZ
acha que para esse tipo de fanático pode parecer, em dado momento,
ser mais conveniente sair da crise carregado nos braços dos seus
seguidores como um herói, do que no interior de um esquife como um
mártir.
Seja
qual for o tipo do causador de evento crítico, deve-se evitar, no
curso da crise, a adoção de posturas estereotipadas com relação à
tipologia e à motivação. A postura do “dejà-vu” pode ser
muito prejudicial, tanto ao negociador como ao responsável pelo
gerenciamento da crise.
A
classificação aqui apresentada, a para de suas imperfeições, deve
servir apenas, como se disse mais acima, como um ponto de orientação
na diagnose dos causadores de eventos críticos, dados o papel
primordial que eles desempenham numa crise.
TEMAS PARA DISCUSSÃO
- Qual a utilidade prática da classificação do grau de risco ou ameaça de uma crise?
- Análise crítica da classificação em quatro graus preconizada pela doutrina do FBI.
- De acordo com a classificação do FBI, como poderia ser enquadrado o caso da rebelião ocorrida no dia 13Nov89, na Penitenciária Estadual de Piraquara/PR, quando oito reclusos de alta periculosidade apanharam como reféns quarenta e um funcionários da referida penitenciária (entre eles incluídos o Diretor e o Vice-Diretor do presídio), exigindo para libertação dos reféns o fornecimento de um automóvel, um carro-forte de transporte de valores e oito armas de fogo com munição?
- Dentre os elementos essenciais de informações de um evento crítico, quais os mais importantes para o responsável pelo gerenciamento?
- No tocante à compatibilidade dos níveis de resposta, quais as desvantagens da utilização de um nível de resposta superior às necessidades da crise?
- A importância do entrosamento e da cooperação entre a polícia e outros órgãos não-policiais no gerenciamento das ameaças exóticas.
- O papel da mídia como fonte de informações nos eventos críticos.
Utilidade
prática do estudo de uma tipologia dos causadores de eventos
críticos.
CAPÍTULO III
FASES
DA CONFRONTAÇÃO. A PRÉ-CONFRONTAÇÃO OU PREPARO. OS NÍVEIS DE
TREINAMENTO. A IMPORTÂNCIA DOS ENSAIOS E SUA PERIODICIDADE. A
RECICLAGEM. AS MEDIDAS PREVENTIVAS. A DIFUSÃO DOUTRINÁRIA. PLANOS
DE SEGURANÇA: CRITÉRIOS BÁSICOS PARA SUA ELABORAÇÃO. A DEFINIÇÃO
DE RESPONSABILIDADES. ELABORAÇÃO E ATUALIZAÇÃO DAS SINOPSES DE
ROTINAS.
A
doutrina de Gerenciamento de Crises, por alguns também chamada de
Doutrina de Confrontação, propõe uma abordagem de fenomenologia de
crise, oferecendo às organizações policiais toda uma praxe que
abrange desde a antecipação e a prevenção até a resolução de
um evento crítico.
Em
abordagem balística ou universal do fenômeno está embutida no
próprio conceito de Gerenciamento de Crises adotado na Academia
Nacional do FBI e transcrito no Capítulo I deste Manual. 2
Dentro
dessa cosmovisão, DONALD
A BASSET3,
da Academia National do FBI, visualiza o fenômeno da crise em quatro
fases cronologicamente distintas, as quais ele denomina de fases de
confrontação.
Essas
fases são as seguintes:
I
- A PRÉ-CONFRONTAÇÃO (ou PREPARO)
II
– A RESPOSTA IMEDIATA
III
– O PLANO ESPECÍFICO
IV
– A RESOLUÇÃO.
Este
Capítulo tem por finalidade conceituar cada uma dessas fases e
apresentar um especial enfoque sobre a primeira delas (a
Pré-confrontação ou Preparo).
As
demais fases serão objeto de estudo mais detalhado em outros
capítulos, ao longo deste Manual.
.
A PRÉ-CONFRONTAÇÃO ou PREPARO
É
a fase que antecede à eclosão de um evento crítico.
Durante
ela, a organização policial se prepara e se apresta para enfrentar
qualquer crise que venha a ocorrer na área de sua competência.
Já
foi dito alhures que quanto mais treinada e preparada estiver uma
organização policial para o enfrentamento de eventos críticos,
maiores serão as suas chances de obter um bom resultado.
Em
outras palavras, cuida-se aqui de mudar uma mentalidade
organizacional meramente reativa
(eminentemente passiva, que consiste em somente agir após a eclosão
dos eventos) para uma postura organizacional proativa
(onde
as ações de prevenção e antecipação são prioritárias).
No
tocante à sua postura diante dos eventos críticos, as organizações
policiais costumam responder mediante duas abordagens básicas de
gerenciamento:
- a abordagem ad hoc ou casuística; e
- a abordagem permanente ou de comissão.
A
abordagem ad
hoc
ou casuística consiste em reagir aos eventos críticos mediante uma
mobilização de caso a caso, enquanto que a abordagem permanente ou
de comissão adota a praxe de manter um grupo de pessoas previamente
designado, o qual é acionado tão logo se verifica uma crise.
A
experiência norte-americana e de outros países tem demonstrado que
a abordagem ad
hoc
apresenta freqüentemente problemas de entrosamento e eficiência,
mesmo quando convocam para o gerenciamento pessoas familiarizadas com
o manejo de crises.
A
abordagem permanente ou de comissão, além de facilitar o
entrosamento entre os participantes, mostra-se eficiente na definição
do papel de cada um dos componentes do grupo de gerenciamento.
Nessas
condições, sob o aspecto doutrinário, recomenda-se a todas as
instituições policiais que:
- disponha de uma entidade ou grupo colegiado designado para uma resposta a crises, o qual será acionado tão logo ocorra um evento crítico;
- disponha, em suas principais unidades regionais ou metropolitanas, de elementos especialmente treinados para responder a crises; e
- promova regularmente o treinamento conjunto de suas unidades policiais [para assegurar uma boa interoperacionalidade quando da ocorrência de crise.
Esse
preparo ou aprestamento deve abranger todos os escalões da
organização policial, através de uma sistemática de difusão e
ensinamento dos princípios doutrinários do Gerenciamento de Crises,
seguidos de treinamento e ensaios e possibilitem o desenvolvimento de
habilidades e aptidões em três níveis distintos, a saber, o
individual, o de grupo e o de sistema.
Nessas
condições, não apenas os indivíduos – isoladamente ou em
conjunto – devem desenvolver uma metodologia de trabalho eficiente
na resposta aos eventos críticos, mas também, o próprio sistema
vigente na organização policial há que se demonstrar eficaz e
desenvolto no curso desse processo.
O
trabalho de aprestamento deve, obrigatoriamente, incluir a realização
de ensaios
e exercícios simulados
que sejam, tanto quanto possível, aproximados da realidade,
proporcionando aos participantes o desenvolvimento da capacidade de
decidir e de agir sob pressão.
Esses
ensaios ou exercícios simulados devem obedecer a uma certa
periodicidade, que variará de organização para organização,
levando-se em consideração, principalmente, a sua potencialidade de
se envolver num evento crítico. Quanto maior essa potencialidade,
mais freqüentes deverão ser esses ensaios.
Além
dos ensaios não deve também a organização policial descuidar da
reciclagem,
processo através do qual são reestudados e atualizados os
princípios ferais da doutrina, adaptando-os, quando necessário, à
conjuntura vigente.
A
pré-confrontação, contudo, não se resume apenas ao preparo e ao
aprestamento da organização policial para o enfrentamento das
crises. Ela engloba também um trabalho preventivo.
Esse
trabalho compreende ações de antecipação
e de prevenção.
A
antecipação
consiste na identificação de situações específicas que
apresentem potencial de crise e a subseqüente adoção de
contramedidas que visem a neutralizar, conter ou abortar tais
processos.
Assim,
por exemplo, se o diretor de uma penitenciária tem conhecimento de
que, naquele estabelecimento está em evolução um plano de motim,
deverá providenciar junto à autoridade policial competente a adoção
de medidas para neutralizar ou fazer abortar os planos dos
presidiários, evitando assim uma crise através da antecipação.
Do
mesmo modo, se obtém a noticia de que determinado cidadão está
sendo cogitado para ser vítima de uma extorsão mediante seqüestro,
a primeira coisa que a autoridade policial deve fazer, após
confirmar a informação, é adotar contramedidas com o objetivo de
frustrar a consumação do referido delito.
Já
a prevenção
é um trabalho mais genérico, realizado com o objetivo de evitar ou
dificultar a ocorrência de um evento crítico ainda não
identificado, mas que se apresenta de uma forma puramente potencial.
Realiza-se
a prevenção principalmente perante a população em geral, quando
se esclarece a respeito dos cuidados que deve ter para evitar que
seja vítima de algum evento crítico.
Do
mesmo modo, age também por prevenção, o diretor de uma
penitenciária que determina a execução de inspeções periódicas
nas celas e demais dependências daquele estabelecimento, para
localizar armas e instrumentos que possam ser utilizadas numa
rebelião ou motim.
Nos
aeroportos a prevenção é realizada, quando, por exemplo, se
submete a uma vistoria, através de Raios-X, a bagagem de mão dos
passageiros.
Perante
a população, o trabalho de prevenção é dos mais profícuos.
Ele
consiste não somente na recomendação de atividades e
comportamentos que visem a evitar ou dificultar que as pessoas se
envolvam em situações de crise, mas também – e principalmente –
na orientação de comportamentos que devem ter quando, por
infelicidade, venham a ser vítimas de um evento dessa natureza.
O
conhecimento de princípios gerais de Gerenciamento de Crises por
parte das vítimas favorece bastante a atuação da polícia e
incrementa o potencial de êxito da solução do evento, sendo
necessário, para que isso ocorra, uma criteriosa difusão da
doutrina entre as pessoas que possam ser virtuais protagonistas de
alguma crise.
Esse
assunto será estudado com mais detalhes no último Capítulo deste
Manual, quando dor abordada a Vitimologia.
A
Pré-confrontação cuida também da metodologia de elaboração dos
planos de segurança.
O
plano de segurança
ou plano
de contingência
é o documento através do qual uma determinada organização
policial estabelece normas e rotinas de caráter interno com vistas a
disciplinar o Gerenciamento de Crises.
É
através desse plano que a organização policial condensa os seus
princípios doutrinários que deverão ser observados antes, durante
e após a ocorrência de um evento crítico.
A
doutrina do Gerenciamento de Crises recomenda uma metodologia de
elaboração desse plano, que, pela sua natureza, integra a fase da
Pré-confrontação ou Preparo.
Nessas
condições, deve o plano de contingência estabelecer regras de
aprestamento, treinamento, ensaios e reciclagem para a fase da
Pré-confrontação.
Na
hipótese de eclosão de uma crise, deve o plano prever rotinas,
estabelecer tarefas e definir responsabilidades para que a resposta
imediata da organização policial ocorra dentro de um padrão de
desempenho que facilite o subseqüente processo de gerenciamento do
evento.
Finalmente,
deve o plano de contingência estabelecer normas que permitam, em
todas as fases da crise, orientar os tomadores de decisão na adoção
de medidas que sejam compatíveis com os critérios de ação e com
os objetivos básicos de preservação de vidas e de aplicação da
lei preconizados pela doutrina de Gerenciamento de Crises.
Importa
ainda lembrar que todo plano de segurança ou plano de contingência
deve prever a existência das chamadas sinopses
de rotinas, que se destinam
a dar a cada policial, em tópicos claros e objetivos, um resumo das
tarefas que lhe couber de imediato executar, na eventualidade de uma
crise.
Tais
sinopses, diga-se de passagem, precisam estar sendo constantemente
atualizadas, principalmente no que concerne a números de telefones
ou endereços que precisem ser contatados em casos de crise.
Deflagrada
uma crise, passa-se à fase seguinte da confrontação, que é a
Resposta
Imediata.
A
RESPOSTA IMEDIATA
É
a fase da confrontação em que a organização policial reage ao
evento crítico.
Basicamente,
essa reação consiste em se dirigir até o local da ocorrência e
providenciar para que a ação dos causadores da crise seja contida,
o local seja isolado e as negociações sejam iniciadas.
Nessa
fase é que a organização policial dá mostras de uma eficiência e
do seu preparo para gerenciar eventos críticos. De uma Resposta
Imediata eficiente depende quase que 60% do êxito da missão
policial no gerenciamento de uma crise.
A
crônica policial brasileira recente tem registrado que a maioria dos
insucessos no gerenciamento de crises ocorre em razão de respostas
imediatas deficientes, em que, principalmente, não se atentou para
um perfeito isolamento do ponto crítico. A Resposta Imediata será
objeto de maiores estudos nos Capítulos IV, V e IX.
Dada
a Resposta Imediata e iniciadas as negociações, a crise entra numa
terceira fase, que é o Plano
Específico.
O PLANO ESPECÍFICO
É
a fase em que os responsáveis pelo gerenciamento de crise discutem e
elaboram uma solução para o evento. Essa solução pode ser tática,
negociada ou se limitar tão-somente a uma transferência da crise
para outro lugar.
Essa
fase será tratada com detalhes no Capítulo X.
A RESOLUÇÃO
É
a fase em que se executa ou implementa o Plano Específico.
Trata-se
da fase mais crítica da crise, principalmente quando se decide pela
opção tática, com uso de força letal.
Dela
cuidaremos no Capítulo XI.
TEMAS PARA DISCUSSÃO
- A importância da pré-confrontação ou preparo no grau de eficiência de uma organização policial ao gerenciar uma crise.
- Quais os escalões hierárquicos de uma organização policial que devem conhecer a doutrina de Gerenciamento de Crises? Explique.
- Por que os ensaios e exercícios simulados realizados durante a pré-confrontação devem ser o tanto quanto possível aproximado da realidade?
- Na realização de um ensaio ou exercício simulado, devem os escalões inferiores estar informados de que se trata apenas de uma simulação? Analise uma questão à luz da hipótese de eventual ocorrência de acidentes entre os participantes, ou entre estes e terceiros.
- Distinga, doutrinariamente, a antecipação da prevenção.
- Importância do trabalho preventivo junto aos segmentos sociais que apresentam maior potencialidade de envolvimento em eventos críticos.
- Num feriado, o plantão de uma determinada superintendência do DPF recebe, através da INFRAERO, a notícia da existência de uma bomba no interior de uma aeronave de passageiros, que se acha estacionamento no pátio do aeroporto, pronta para decolar, num concorrido vôo doméstico. Quais vantagens teriam àquela unidade policial a existência de um plano de contingência, onde estivessem estabelecidas as rotinas a serem seguidas por cada policial em eventos dessa natureza?
CAPÍTULO IV
A
RESPOSTA IMEDIATA. TAREFAS PRELIMINARES DE GERENCIAMENTO. ELEMENTOS
OPERACIONAIS ESSENCIAIS. O COMANDANTE DA CENA DE AÇÃO: SEU PAPEL E
RESPONSABILIDADES NAS DIVERSAS FASES DA CONFRONTAÇÃO.
A
partir do momento em que uma autoridade policial toma conhecimento da
eclosão de uma crise, principia-se o processo de gerenciamento.
Mesmo que existam questionamentos de relevância a serem feitos –
como é o caso, por exemplo, da competência legal para o
gerenciamento – medidas de caráter imediato hão de ser adotadas
logo nos primeiros instantes, a fim de favorecer o posterior controle
e a própria condução do evento.
Quais
são essas medidas imediatas?
Tão
logo tome conhecimento de uma crise, qualquer autoridade policial
deve tomar as seguintes medidas:
Conter
a crise;
Isolar
o ponto crítico; e
Iniciar
as negociações.
Em
síntese: CONTER,
ISOLAR e NEGOCIAR.
A
ação de conter uma crise consiste em evitar que ela se alastre,
isto é, impedindo que os seqüestradores aumentem o número de
reféns, ampliem a área sob seu controle, conquistem posições mais
seguras, ou melhor, guarnecidas, tenham acesso a mais armamento, etc.
A
ação de isolar o ponto crítico, que se desenvolve praticamente ao
mesmo tempo em que a de conter a crise, consiste em estremar o local
da ocorrência interrompendo todo e qualquer contato dos
seqüestradores e dos reféns (se houver) com o exterior. Essa ação
tem como principal objetivo obter o total controle da situação pela
polícia, que passa a ser o único veículo de comunicação entre os
protagonistas do evento e o mundo exterior.
O
isolamento da área materializa-se não apenas pela implantação dos
perímetros
táticos,
que serão melhor abordados no Capítulo IX deste Manual, mas também
pela interrupção ou bloqueio das comunicações telefônicas do
ponto crítico com o mundo exterior.
A
experiência tem demonstrado que quanto melhor for o isolamento do
ponto crítico mais fácil se torna o trabalho de gerenciamento da
crise. O início das negociações é o terceiro passo essencial a
ser dado pela autoridade policial que tornou ciência da crise.
Mesmo que essa autoridade policial não
seja aquela que ficará encarregada do processo de gerenciamento, é
por demais importante que ela dê início imediato às negociações.
O clima de profunda tensão e incerteza vivido pelos bandidos nos
primeiros momentos da crise pode leva-los a uma atitude de nervosa
loquacidade, que poderá não se repetir no decorrer da crise, quando
já obtiverem um controle da situação e passarem a disciplinar as
suas palavras e emoções. Importantes dados e informações podem
ser fornecidos pelos próprios bandidos nesses momentos iniciais de
negociação, facilitando uma posterior diagnose da crise.
Ainda
sobre a negociação, que será estudada em detalhes no Capitulo IV,
é importante lembrar que toda a doutrina de gerenciamento de crises
repousa praticamente na negociação.
Adotadas
essas três medidas iniciais, tem início o processo de instalação
do teatro de operações.
O
teatro de operações, também denominado cena de ação fica sob a
responsabilidade de um policial (geralmente um executivo de polícia)
denominado de COMANDANTE
DO TEATRO DE OPERAÇÕES ou COMANDANTE DA CENA DE AÇÃO (“ON-SCENE
COMMANDER’)”.
A
partir daí, toda e qualquer ação desenvolvida no âmbito do teatro
de operações (ou da cena de ação) dependerá da anuência
expressa desse policial, que passa a ser a mais alta autoridade na
área em torno do ponto crítico.
O
comandante do teatro de operações pode até vir a ser substituído
por outro policial, a critério dos altos escalões da organização
policial envolvida, mas a sua autoridade ou a autoridade de quem o
venha a substituir não pode ser desrespeitada no âmbito do teatro
de operações. Toda e qualquer ordem, orientação ou decisão
relativa ao evento crítico deverá – necessariamente – ser
transmitida ao teatro de operações através desse policial.
Esse
postulado doutrinário tem como objetivo óbvio trazer coesão e
definição de autoridade no gerenciamento da crise, evitando-se a
dispersão de comando e a nefasta ocorrência de cadeias de comando
paralelas.
Essa
prerrogativa do comandante da cena de ação traz-lhe, como
conseqüência, uma série de responsabilidades e encargos.
Desde
a instalação do posto
de comando
(P.C.) até a solução final da crise, inúmeras são as atividades
a serem desenvolvidas pelo comandante da cena de ação.
Essas
atividades vão ser desempenhadas nas diversas fases da evolução do
evento crítico, sendo importante lembrar que poderão apresentar uma
grande diversificação, dependendo da complexidade e da duração da
crise.
Nessas
condições, na chamada “FASE
DA RESPOSTA IMEDIATA”,
que é aquela em que a organização policial toma conhecimento e
reage ao evento crítico, o comandante da cena de ação poderá ter,
entre outras, as seguintes responsabilidades:
- Verificar se a organização policial possui um plano de emergência para eventos críticos e, se for o caso, declará-lo acionado;
- Montar o posto de comando (P.C.) em local seguro, próximo ao ponto crítico;
- Providenciar especialistas para atendimento à ocorrência (negociadores, “SWAT”, técnicos em explosivos, bombeiros, médicos para atendimento a feridos, pessoal de comunicação social para trato com a mídia e com os parentes das vítimas ou reféns, etc.);
- Isolar a área, estabelecendo os perímetros táticos, providenciando o patrulhamento ostensivo desses perímetros;
- Providenciar o posicionamento do pessoal da “SWAT” em pontos estratégicos da cena de ação;
- Entrevistar ou interrogar pessoas que de qualquer modo escaparam do ponto crítico;
- Providenciar o imediato início das negociações, anotando as exigências dos elementos envolvidos;
- Dar ciência da crise aos escalões superiores da organização policial, fornecendo-lhes relatórios periódicos sobre a evolução dos acontecimentos;
- Providenciar, se for o caso, fotografias, diagramas ou plantas do ponto crítico, para uso do pessoal da “SWAT”;
- Estabelecer uma rede de comunicação que cubra todo o teatro de operações;
- Estabelecer esquemas de controle do ingresso de pessoas na área isolada;
- Autorizar a entrada de pessoas (médicos, peritos, técnicos, etc.) na área isolada;
- Cortar as comunicações dos elementos causadores da crise com o mundo exterior, interrompendo-lhes a rede telefônica externa, a energia elétrica (no caso da existência de rádios ou televisores nos ponto crítico) e outros meios que possibilitem essa comunicação; e
- Preparar escalas de pessoal, no caso de protraimento da crise, não se esquecendo de preparar uma pessoa para o substituir no comando da cena de ação.
Na
fase seguinte da crise, o chamado “PLANO ESPECÍFICO”, quando se
elabora o plano destinado a solucionar o evento, o comandante da cena
de ação poderá ter, entre outros, os seguintes encargos:
- Participar de reuniões com os negociadores e o pessoal da “SWAT” visando a diagnosticar situações, traçar diretrizes e alternativas soluções da crise;
- Participar de reuniões com as autoridades encarregadas do gerenciamento da crise, oferecendo-lhes sugestões e informações para o processo decisório;
- Analisar e discutir com o pessoal da “SWAT” as alternativas táticas;
- Estabelecer claramente as missões de cada elemento que participar da execução do plano específico escolhido;
- Difundir entre todos os participantes os detalhes do plano, a fim de que cada um conheça o seu papel no conjunto da ação a ser desencadeada;
- Providenciar algum reforço de pessoal, caso haja necessidade, para o desencadeamento do plano;
- Realizar, periodicamente, “briefings” com o pessoal da mídia, informando-o acerca da evolução da crise, evitando sempre revelar qualquer decisão referente ao uso da força letal;
- Verificar a existência dos recursos matérias necessários à execução do plano específico;
- Providenciar, pelo menos uma vez a cada doze horas, alimentação para os reféns e os elementos que os mantêm nessa condição;
- (No caso de se tratar de uma situação de crise exótica ou de natureza extraordinária, que possa desencadear alguma catástrofe ou evento de elevado grau de risco para a comunidade, providenciar a presença, “in-loco”, de representantes ou especialistas da área, aeronáutica, epidemiologia, corpo de bombeiros, etc.);
- Providenciar, adredemente, ambulâncias, helicópteros e leitos em hospitais de emergência e prontos-socorros para o atendimento de feridos, caso o plano específico preveja o uso de força letal;
- Verificar se o plano específico observa os denominados critérios de ação, isto é, necessidade, aceitabilidade e validade do risco;
- Providenciar, se possível, um ensaio do plano, corrigindo as deficiências e cronometrando as ações previstas;
- Verificar se a ação tática escolhida está dentro da capacidade de desempenho dos policiais envolvidos;
- Providenciar, sempre que possível vigilância técnica do ponto crítico para coleta de informações;
- Providenciar autoridade policial e escrivão para a lavratura de autos de prisão em flagrante que porventura se façam necessários;
- Providenciar alimentação e alojamento para os policiais, no caso de crises que se protraiam excessivamente;
- Providenciar os seus períodos de descanso a fim de evitar que a fadiga afete a sua capacidade de decisão; e
- No caso de transferência da crise, avisar às autoridades policiais do local de destino, fornecendo-lhes as informações mais detalhadas e atuais possíveis sobre o evento crítico.
Na
última fase da crise, a “RESOLUÇÃO”,
isto é, quando o plano específico é posto em execução, o
comandante da cena de ação terá as seguintes responsabilidades:
- Adaptar os perímetros táticos à dinâmica da ação tática escolhida, avisando os elementos de patrulha para se protegerem, no caso de tiroteio;
- Avisar a todos os policiais para se posicionarem em locais apontados como seguros pelo chefe da “SWAT”;
- Tomar providências com relação à perfeita identificação dos bandidos e dos reféns, após o término do trabalho da “SWAT”;
- Resguardar-se se colocando em local seguro, evitando assim prejudicar o desenrolar da “RESOLUÇÃO” com a ocorrência de qualquer acidente com a sua pessoa;
- Providenciar o imediato resgate dos feridos, dando prioridade aos reféns e aos policiais, cuidando para que aqueles em situação mais grave sejam socorridos em primeiro lugar;
- Providenciar para que os bandidos sejam algemados e recolhidos a local seguro; e
- Providenciar para que sejam adotadas as medidas de polícia judiciária cabível com relação aos criminosos.
Melhor
após a “RESOLUÇÃO”,
o comandante da cena de ação ainda tem uma série de
responsabilidades, tais como, à guisa de exemplos:
- Providenciar o recolhimento e a devolução do material porventura cedido ao PC (cordas, binóculos, lanternas, equipamento de escuta técnica, estojos de primeiros socorros, etc.);
- Elaborar relatório porventura exigido pelos seus supervisores;
- Providenciar perícias de local com vistas a virtuais indenizações de terceiros cujo patrimônio tenha sido lesado em decorrência da crise;
- Realizar, tão logo quanto possível, uma reunião com todos os policiais participantes do evento, com o objetivo de realizar uma avaliação crítica dos resultados;
- Efetuar uma última entrevista com os representantes da mídia, informando-os sobre os resultados da crise; e
- Providenciar o apoio psicológico necessário para os policiais porventura afetados por traumas resultantes do evento crítico.
- Como bem se vê, é imensa a gama de atribuições que recai sobre os ombros do comandante da cena de ação. Por essa razão, a escolha do homem encarregado dessa missão deve ser a mais criteriosa possível.
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO
- Por que o isolamento do ponto crítico é fator de êxito na solução da crise?
- Quais os prejuízos que podem trazer à solução da crise a interferência da mídia ou de outras pessoas não-policiais no ponto crítico? Cite exemplos de casos reais.
- Qual a finalidade da instalação do P.C. (Posto de Comando)? O que deve conter, em essência, um P.C.?
- Quais seriam as qualidades pessoais e profissionais de um comandante do teatro de operações?
- Quais as vantagens de um plano de contingência? A quem cabe o acionamento desse plano?
- Considerando-se a característica de imprevisibilidade das crises, aliada à não seletividade dessa espécie de eventos, seria recomendável que todas as repartições policiais tivessem um plano de contingência?
- O comandante do teatro de operações e a mídia. Sugestões ao aperfeiçoamento desse relacionamento.
CAPÍTULO
V
OPERAÇÃO
E ORGANIZAÇÃO DO POSTO DE COMANDO
O
posto de Comando tem fundamental importância no curso do
gerenciamento de uma crise. De sua organização e operacionalidade
dependem o fluxo de decisões e o próprio êxito da ação policial
durante o evento crítico.
Em
seguida, apresentamos um esboço de princípios fundamentais de
operação e organização de um Posto de Comando, baseado em
pressupostos doutrinários estabelecidos pelo Instrutor DONALD A.
BASSETT, da Academia Nacional do FBI, consolidados através do manual
denominado “COMMAND POST ORGANIZATION AND OPERATION”.
I. DEFINIÇÕES
Posto
de Comando
(PC):
É o quartel-general de campo do Comandante da Cena de Ação.
Centro
de Operações Táticas:
É o quartel-general de campo do Comandante do Grupo Tático
(“SWAT”).
Centro
de Operações Táticas, também chamado de Posto
de Comando
Tático
(PCT)
pode ser localizado no interior do perímetro interno ou junto com o
próprio PC.
c)
Centro
de Operações de Emergência
(COE):
Trata-se de um órgão existente numa determinada corporação
policial, geralmente sediado em quartel-general, e que se destina a
atender situações de emergência.
II DESCRIÇÃO
O
que venha a ser um Posto de Comando (PC)?
- É uma organização de pessoas com cadeia e comando baseada na divisão de trabalhos e de tarefas pré-determinados.
- Funções desempenhadas:
- Colher informações.
- Processar informações (coleta, análise e difusão)
- Aplicar informações, através do planejamento e do auxílio à tomada de decisões.
- Agir e reagir, através da implementação de planos e decisões e da coordenação de ações.
- Apoiar todas as funções acima, através de um trabalho de logística e de administração.
c)
Sede de autoridade para as operações de campo. Nessa condição, o
PC centraliza a autoridade e o controle na cena de ação. Também
serve como orientador dirigente e ponto de tomada de decisão para os
subordinados.
III QUANDO É NECESSÁRIO INSTALAR UM PC?
- Quando o número de pessoas envolvidas numa operação de campo exceda a capacidade de controle (“span of control”) do comandante da cena de ação. Por capacidade de controle entende-se o número máximo de pessoas que um indivíduo pode pessoalmente dirigir e controlar de uma maneira eficiente e eficaz. Importa lembrar que essa capacidade pode ser reduzida pelo efeito do estress.
- Numa operação de campo que requeira coordenação entre várias unidades ou organizações policiais diferentes.
- Numa operação de campo que exija atividades múltiplas.
IV. REQUESITOS ESSENCIAIS DE UM PC
- Comunicações
- Rádio (da própria organização policial, das demais organizações participantes e rádio comercial);
- Telefone (externo, com o ponto crítico e para ligações internas do PC);
- Televisão (comercial e de circuito fechado, quando necessário);
- Quadros de situação;
- Computadores;
- Teletipos (quando necessários);
- Intercomunicadores;
- Mensageiros (para o caso de falha ou interrupção dos sistemas eletrônicos de comunicação).
- Segurança (isolamento)
- De pessoas hostis;
- Da mídia;
- Do público;
- De policiais curiosos, não participantes do evento.
c.
Acomodações e
Infra-estrutura
- Pessoal de operação. Para esse pessoal faz-se necessário um local onde possam realiza as comunicações, um local onde os negociadores possam se reunir e uma sala reservada e calma, para onde o pessoal de decisão possa ir, a fim de refletir e analisar as decisões a serem tomadas;
- Áreas onde possam ser realizados reuniões com todo o pessoal empenhado no evento;
- Área para estacionamento de veículos;
- Área para guarda e entrega de material utilizado no decorrer da crise.
- Toalete;
- Emergências médicas;
- Heliporto (para os casos em que a organização policial dispuser de helicópteros);
- Local para reunião com a mídia.
- Proximidade de ponto crítico
O
PC deve ficar próximo ao ponto crítico, porquanto isso facilita
muito o gerenciamento da crise. Essa proximidade proporciona
facilidade de decisão, por que o comandante da cena de ação tem
uma visão imediata do local e, também, tem condições de rápido e
direto acesso ao pessoal empenhado na área da crise. Por outro,
quando o PC fica instalado em loca muito distante do ponto crítico,
isso faz com que as comunicações dependam de rádio, o que pode ser
prejudicial e comprometer o sigilo das decisões.
- Acesso
O
acesso ao PC deve ser fácil para o pessoal participante do evento.
Deve também ser seguro, para evitar que o pessoal necessite
percorrer áreas perigosas ou arriscadas, ao se deslocar para o PC.
- Tranqüilidade
O
PC, sempre que possível, deve ser instalado em ambiente com pouco
ruído e sem aglomeração de pessoas.
- Isolamento
O
local de instalação do PC deve expor os tomadores de decisão a um
mínimo de ruídos, de atividades desnecessárias e acesso a dados
supérfluos.
- Distribuição de Tarefas
O
plano organizacional para eventos críticos deve especificar as
tarefas de cada participante. Somente os policiais e funcionários
cujas tarefas necessitam acesso ao Comando devem ter seu ingresso
admitido no PC.
V.
ELEMENTOS ESSENCIAIS QUE
INTEGRAM A ORGANIZAÇÃO DE UM POSTO DE COMANDO (PC)
- Elemento de comando (O comandante da Cena de Ação).
- Elementos operacionais (O Grupo de Negociadores, o Grupo Tático Especial (“SWAT”) e o Grupo de Vigilância Técnica).
Esses
elementos operacionais costumam receber a denominação geral de
Grupo de Ação Direta (GAD) e enquanto participarem do evento
crítico ficam sob a supervisão direta do comandante da cena de
ação, por dois motivos:
- Suas atividades geralmente têm um impacto imediato, de vida ou de morte, no ponto crítico; e
- No interesse de comunicações mais rápidas e coerentes entre o Comandante da Cena de Ação e eles, evitando-se a existência de intervenientes de autoridades.
c)
Elementos
de apoio
d)
Elementos
de assessoria.
- TAREFAS E FUNÇÕES SUGERIDAS PARA OS ELEMENTOS ESSENCIAIS DE UM POSTO DE COMANDO (PC)
a.
Elementos
de comando
O
elemento de comando, como se disse, é o Comandante da Cena de Ação.
Ele tem as seguintes tarefas:
- É autoridade máxima para todas as ações no local da crise.
- É ele quem determina a estratégia.
- É ele quem revê e dá a última palavra sobre todos os planos que terão impacto sobre a área da crise, obedecendo aos três critérios de ação (necessidade, aceitabilidade e efetividade do risco).
- É ele quem estabelece a cadeia de comando mantendo todo o pessoal cientificado sobre a mesma.
- É ele quem autoriza todas as ações táticas, com exceções das chamadas reações de emergências (ocorridas quando de um súbito e inesperado ataque dos bandidos contra os policiais ou os reféns). Nesse mister, o uso de agentes químicos, - granadas de efeito moral e de explosivos somente pode ocorrer com a sua autorização.
- É ele quem supervisiona e coordena as atividades do GAD.
- É ele quem assegura uma coordenação com o seu substituto (O Comandante da Cena de Ação Substituto), na execução das tarefas deste, quando necessário.
O
Comandante da Cena de Ação necessita de um substituto que poderá
ter, entre outras, as seguintes funções:
- Coordenar e dirigir os elementos de apoio.
- Assegurar ao Comandante da Cena de Ação e a outros usuários do PC informações pertinentes e oportunas.
- Assegurar uma comunicação e uma coordenação eficiente entre o pessoal de informações e o GAD.
- Substituir o Comandante da Cena de Ação em suas ausências.
- Assegurar a existência de relações adequadas com a mídia.
- Elementos Operacionais
- Comandante da SWAT
- Tem controle direto sobre todo o pessoal de SWAT no local da crise.
- Tem controle direto sobre a área do perímetro interno, em torno do ponto crítico.
- Determina as opções táticas viáveis e as recomenda ao Comandante da Cena de Ação.
- Formula plano tático específico visando apoiar as estratégias concebidas pelo Comandante da Cena de Ação.
- Explica para o pessoal da SWAT a missão a ser executada e o plano a ser implementado, de acordo com a orientação do Comandante da Cena de Ação.
- Supervisiona o ensaio do plano.
- Supervisiona a inspeção do pessoal a ser empregado na ação.
- Dirige pessoalmente a implementação dos planos táticos autorizados pelo Comandante da Cena de Ação.
- Assegura a comunicação rápida das informações obtidas pelos francos-atiradores (“snipers”) para os encarregados do processamento das informações.
- Assegura a coordenação de ações táticas com os demais integrantes do GAD.
- Ordena a aplicação do plano de emergência, durante a resposta imediata, antes da chegada de autorização superior, em casos de extrema necessidade.
- Chefe do Grupo de Negociadores
- Tem controle direto sobre todos os negociadores.
- Determina as opções viáveis de negociação e as recomenda ao Comandante da Cena de Ação.
- Assegura o cumprimento, por parte dos negociadores, das estratégias do Comandante da Cena de Ação.
- Formula tática de negociação específica e as apresenta ao Comandante da Cena de Ação para aprovação.
- Envida esforços para que as informações obtidas através da negociação cheguem rápida e precisamente ao pessoal de informações.
- Assegura a coordenação de iniciativa táticas com os demais integrantes do GAD.
- Faz um levantamento periódico da situação psicológica dos bandidos.
- Chefe do Grupo de Vigilância Técnica
- Determina as opções de vigilância técnica e as recomenda ao Comandante da Cena de Ação.
- Formula plano específico de vigilância técnica para apoio da estratégia do comandante da Cena de ação e os apresenta a ele, para aprovação.
- Dirige e coordena a instalação de equipamentos de vigilância técnica na área da crise.
- Assegura a coordenação de iniciativas táticas com os demais integrantes do GAD.
- Envida esforços para que as informações obtidas através da vigilância técnica sejam difundidas aos usuários, especialmente ao pessoal de informações.
- Chefe do Pessoal de Informações
- Coleta processa, analisa e difunde informações atuais e oportunas para todos os usuários.
- Desenvolve e assegura a consecução de diretrizes investigatórias, com vistas à coleta de informações.
- Mantém um quadro atualizado da situação da crise.
- Prover resumos de situação para o Comandante da Cena de Ação e, quando necessário, para os escalões superiores da organização policial.
- Elementos de Apoio
Esses
elementos de apoio consistem basicamente em um coordenador de apoio
administrativo e um auxiliar, com as seguintes funções:
- Coordenação de atividades de apoio com objetivo de assegurar recursos financeiros, administrativos e logísticos para um adequado gerenciamento da crise.
- Provimento de funcionários de apoio, destinados a funções de datilografia, estenografia, rádio-transmissão, etc.
- Provimento de refeições, pagamento de bens e de serviços porventura utilizados no local da crise.
- Assegurar o fluxo normal de papéis ou de burocracia necessários ao gerenciamento da crise.
Entre
esses elementos
de apoio,
cuja variedade depende de cada caso, pode-se mencionar o
rádio-telegrafista e o controlador de pagamentos, este último
responsável pelos tramites burocráticos necessários ao pagamento
de indenizações de propriedades danificadas ou destruídas, em
razão da ação policial durante a crise.
Também
não deve ser esquecido o fato de que é importante que um
determinado policial ou funcionário seja encarregado da logística.
A esse funcionário caberia, entre outras, as seguintes funções:
- Prover e coordenar o sistema de transporte entre o local da crise e a repartição policial.
- Prover e coordenar os serviços de manutenção.
- Arranjar comida e alojamento.
- Providenciar a aquisição de materiais e equipamentos necessários à operação.
- Prover apoio médico e de enfermagem.
- Manter um completo inventário dos equipamentos e demais insumos utilizados no local da crise.
- Elementos de Assessoria
Às
vezes, a complexidade e o grau de risco da crise exigem que o
Comandante da Cena de Ação seja assessorado por especialistas que
possam responder as suas indagações e dúvidas sobre assuntos de
vital importância para o gerenciamento do evento.
Essa
assessoria pode ser realizada por elementos especialistas nas
seguintes áreas:
- SWAT;
- Negociação;
- Vigilância técnica;
- Mídia;
- Legal; e
- Especialidades estranhas à atividade policial, como, por exemplo, medicina, epidemiologia, meio-ambiente, energia nuclear, etc.
A
critério do Comandante da Cena de Ação, esses elementos de
assessoria podem ou não ser incluídos na cadeia de comando.
Como
se vê, a organização de um PC é complexa, e esse grau de
complexidade varia de caso a caso. Crises mais complexas exigem um PC
de maior complexidade, com mais detalhada distribuição de tarefas.
O
que ficou dito ao longo desta exposição destina-se ao gerenciamento
de uma crise de grande complexidade.
Em
crises mais simples, a estrutura do PC deverá ser proporcionalmente
reduzida.
Contudo,
uma regra essencial não deve ser esquecida: a de que o Comandante da
Cena de Ação não pode, de mofo algum, prescindir de um local onde
goze de um mínimo de privacidade para reunião com os seus
subordinados, e para o atendimento de necessidades higiênicas
básicas, no curso de uma crise de longa duração.
TEMAS
PARA DISCUSSÃO
- A importância de um posto de comando no gerenciamento de uma crise.
- Relacione as cousas que não podem faltar num posto de comando.
- Discuta a problemática do isolamento do posto de comando em face da necessidade de proximidade do ponto crítico.
- Discuta o conceito de “span of control”.
CAPÍTULO VI
ELEMENTOS
OPERACIONAIS ESSENCIAIS. O NEGOCIADOR. SEU PAPEL E RESPONSABILIDADES.
A UTILIZAÇÃO TÁTICA DO NEGOCIADOR. CARACTERÍSTICAS DO NEGOCIADOR.
O NEGOCIADOR NÃO-POLICIAL.
Como
se viu anteriormente, as primeiras medidas a serem adotadas por
qualquer autoridade policial ao tomar conhecimento de uma crise são
sintetizadas nos verbos CONTER,
ISOLAR
e NEGOCIAR.
Essas
ações-resposta são tomadas quase que concomitantemente, não
havendo, no mais das vezes, uma perfeita distinção temporal ou
cronológica entre elas. À medida que contém a ameaça e isola o
ponto crítico, a autoridade policial já procura estabelecer os
primeiros contatos com os elementos causadores da crise, objetivando
o início da negociação, conforme ficou dito no Capítulo IV.
A
negociação é quase tudo no gerenciamento de crises.
Costuma-se
dizer que gerenciar crises é negociar, negociar e negociar. E quando
ocorre de se esgotarem todas as chances de negociações, deve-se
ainda tentar negociar mais um pouquinho...
Essa
tarefa de negociação, dada a sua primazia, não pode ser confiada a
qualquer um. Dela ficará encarregado um policial com treinamento
específico, denominado de negociador.
O
negociador tem um papel de suma responsabilidade no processo de
gerenciamento de crises, sendo muitas as suas atribuições.
Destarte,
não pode a sua função ser desempenhada por qualquer outra pessoa,
influente ou não, como sói ocorrer freqüentemente.
Faz
parte da história policial recente, no Brasil, a utilização de
religiosos, psicólogos, políticos e até secretários de segurança
pública como negociadores. Tal prática tem-se revelado inteiramente
condenável, com resultados perniciosos para um eficiente
gerenciamento dos eventos críticos, e a sua recidiva somente
encontra explicação razoável no fato de a grande maioria das
organizações policiais do país não ser dotada de uma equipe de
negociadores adredemente treinada para esse mister.
Na
falta de alguém capacitado para negociar, nossas organizações
policiais costumam aceitar qualquer um que voluntariamente se
apresente para ser negociador.
Uma
abordagem mais aprofundada sobre esses negociadores não-policiais
será realizada mais adiante, ainda neste Capítulo. Voltemos,
portanto, ao negociador profissional.
O
papel fundamental do negociador é o de servir de intermediário
entre os causadores do evento crítico e o comandante da cena de
ação. Funciona ele, portanto, como um catalisador, no processo
dialético que se desenvolve entre as exigências dos causadores do
evento crítico (tese) e a postura das autoridades (antítese), na
busca de uma solução aceitável (síntese).
Tradicionalmente,
costumava-se estereotipar a figura do negociador como a de alguém
que simplesmente utilizava todos os meios dissuasórios ao se alcance
para conseguir a rendição dos elementos causadores da crise. Quando
esse objetivo era atingido, a tarefa do negociador estava encerrada e
a solução da crise ficaria a cargo do grupo tático (“SWAT”).
Era como se as negociações e o grupo tático tivessem duas missões
distintas e excludentes entre si.
Estudos
realizados pela “Special Operations and Research Unit” da
Academia Nacional do FBI mostram que essa concepção revelou-se
errônea, porquanto os dois grupos têm, de fato, a mesma missão,
isto é, resgatar pessoas tomadas como reféns, e que tal missão
permanece a mesma ao longo de todo o evento crítico.
De
sorte que, se porventura houver a decisão de uso de força letal,
não é o caso dos negociadores serem afastados, mas de utilizarem
todos os seus recursos no sentido de apoiar uma ação tática
coordenada.
Em
outras palavras, o negociador (ou negociadores) tem um papel tático
de suma importância no curso da crise.
Esse
papel tático, segundo DWAYNE FUSELIER4,
da Academia do FBI, pode ser desempenhado de três maneiras:
- através da coleta de informações, durante as negociações;
- através da utilização de técnicas de negociação que otimizem a efetividade do risco (“risk effectiveness”) de uma ação tática; e
- pelo uso de técnicas de negociação específicas, como parte de uma ação tática coordenada.
Vejamos
então como pode se processar, em cada uma dessas modalidades, o
papel tático do negociador.
1.
A
Coleta de informações
O
negociador é a mais confiável fonte de informação de que pode
dispor o comandante da cena de ação. Através dele, é possível
saber a respeito da condição mental, do estado de espírito e da
personalidade dos elementos causadores da crise.
Além
do mais pode um negociador colher preciosas informações através
das seguintes táticas:
a)
Diálogo com os causadores da crise. A Polícia Metropolitana de
Londres5
calcula que 40% do total de informações de uma crise é obtido por
esse meio. Durante o diálogo, o negociador pode obter ou confirmar
informes acerca do verdadeiro número de bandidos e de reféns,
armas, exigências, nomes e posição social das pessoas envolvidas,
etc. Em suma, todos os elementos essenciais de informação de que
tratamos no Capítulo II.
b)
Soltura de reféns. Isso proporciona a oportunidade de se obter dados
preciosos de alguém que estava no interior do pronto crítico, dados
esses que podem ser analisados e cotejados com outros obtidos de
outras fontes.
- Entrega e retirada de recipientes com água, comida e remédios, possibilitando assim, o levantamento, naqueles objetos, de impressões digitais para confirmação da identidade dos causadores da crise ou dos reféns.
- Aproximação do ponto crítico. Essa aproximação, feita para dialogar ou fazer entregas (de comida, água, cigarros, etc), possibilita uma observação mais próxima e mais detalhada do interior do ponto crítico, com a conseqüente coleta de dados de muita importância para orientação do grupo tático.
- Realização de fotografias (com máquinas oculta) do ponto crítico, aproveitando as oportunidades de entrega de água, comida, etc.
- Coleta de declarações escritas dos bandidos ou dos reféns, para análise.
2.
Técnicas de negociação para otimizar a efetividade do risco
(“risk-effectiveness”)
São
técnicas que o negociador utiliza com a finalidade de tornar menos
arriscada a ação tática a ser porventura desencadeada pela “SWAT”.
No
exercício desse papel, o negociador poderá:
- Inventar estórias de coberturas para justificar aos bandidos algum ruído ou movimento estranho causado pelo grupo tático nos seus preparativos para o ataque.
- Ganhar tempo, através de conversas prolongadas com os causadores da crise, possibilitando um melhor amadurecimento das decisões do grupo tático.
- Prolongar a negociação para que o plano de ataque possa ser melhor detalhado e ensaiado pelo grupo tático.
- Prolongar a negociação para que evolua a chamada “Síndrome de Estocolmo”6, fazendo assim com que se reduzam as possibilidades de assassinatos de reféns pelo não-cumprimento dos prazos fatais por parte das autoridades.
- Desenvolver um estreito relacionamento com os bandidos, de modo a torná-los mais receptivos às idéias, sugestões e propostas dos responsáveis pelo gerenciamento da crise.
3.
Técnicas
de Negociação como parte de uma ação tática coordenada.
Essas
técnicas que o negociador pode utilizar para apoiar diretamente uma
ação tática. Nesse decisivo papel, o negociador, como coadjuvante
no plano de ataque elaborado pelo grupo tático poderá:
a)
Conseguir o ingresso de pessoas no ponto crítico, sob o pretexto de
fazer entregas (de água, de alimentos, cigarros, etc.) de prestar
socorro médico, de realizar reparos em instalações, etc.
b)
Conseguir a introdução de um cavalo de Tróia no ponto crítico,
antes do ataque.
c)
Identificar o líder ou tomador de decisões dos responsáveis pelo
evento crítico, estabelecer a sua localização e mantê-lo
distraído numa conversa, no momento crucial do ataque.
d)
Arranjar tarefas para ocupar os bandidos, localizando-os em posições
onde eles representem uma menor ameaça aos reféns ou onde eles se
tornem menos capazes de obstruir uma missão de resgate.
e)
Fazer com que os reféns possam estar em posições de menor perigo
ou onde o socorro seja mais viável, no momento do ataque.
f)
Possibilitar a aproximação de um veículo ou de outro objeto que
facilite a ação dos atiradores de elite.
g)
Arranjar uma estória de cobertura e ruídos paralelos (o
funcionamento de geradores de emergência por exemplo), para ocultar
ruídos provocados pelo grupo tático.
h)
Fazer concessões importantes aos bandidos, levando-os a acreditar
estarem obtendo êxito, o que resultará numa queda natural de seu
estado de alerta e de suas defesas psíquicas, fator esse de muita
importância para que sejam apanhados desprevenidos.
Como
se pode verificar, esse papel tático do negociador, hoje
pacificamente assentado na doutrina de gerenciamento de crises, faz
com que os policiais escolhidos para esse importante mister sejam bem
treinados e dotados de características pessoais bem peculiares.
Dentre
essas características, poder-se-iam enumerar as seguintes:
a)
Conhecimento global da doutrina de gerenciamento de crises;
b)
Respeitabilidade e confiabilidade;
- Maleabilidade;
- Fleuma e paciência;
e)
Espírito de equipe;
f)
Disciplina;
- Autoconfiança;
- Autocontrole;
i)
Comunicabilidade;
j)
Perspicácia.
Essa
listagem é meramente exemplificativa, constituindo, no conjunto,
aquilo que poderia ser considerado como o perfil do negociador ideal.
Evidentemente,
existirão muitos bons negociadores a quem faltem algumas dessas
qualidades, mas é óbvio que algumas delas são essenciais, não
podendo faltar em nenhum negociador, como é o caso da
respeitabilidade
e confiança
e da
comunicabilidade.
Um
negociador que não inspira respeito e confiança nos seus pares e
nos causadores do evento crítico não tem a mínima possibilidade de
bom êxito. Daí resulta um dos grandes axiomas da negociação que é
o de que “negociador confiável torna a negociação viável”.
O
mesmo acontece com a comunicabilidade.
Como
esperar bons resultados de um negociador que não tenha qualidades
semiológicas suficientemente desenvolvidas para se comunicar com
desenvoltura, sob pressão, com pessoas perigosas, em momentos de
crise?
Seja
como for, o que importa ficar bem claro é que o negociador seja um
policial dotado de certas características – inatas ou adquiridas
através de treinamento – que possibilitem conduzir a negociação
aos fins colimados pela doutrina e pelos responsáveis pelo
gerenciamento de crise.
Durante
muito tempo se discutiu se a função do negociador poderia ser
desempenhada por pessoa que não fosse policial.
O
uso de negociadores não-policiais é uma experiência por que já
passaram quase todas as organizações policiais, especialmente
quando, historicamente, as primeiras crises necessitaram da
intervenção de alguém para servir de intermediário ou
interlocutor entre os causadores dos eventos críticos e as
autoridades policiais.
Pode-se
até afirmar, e com certa segurança, que os primeiros negociadores
foram, historicamente, não-policiais.
E
essa realidade teve suas razões de ser.
Eclodindo
uma crise, os bandidos se viam diante de uma polícia, que, devido ao
seu despreparo doutrinário, pretendia solucionar o evento através
da cega aplicação da lei, com a rendição incondicional dos
infratores. Nessas condições, fazia-se necessária a intervenção
de alguém, alheio aos quadros policiais, que pudesse servir de
mediador, possibilitando assim que o evento fosse solucionado através
de concessões mútuas.
Essa
é, com toda certeza, a conjuntura ainda hoje vivida pela maioria das
organizações policiais brasileiras, as quais, à míngua de uma
doutrina e de um preparo adequado para enfrentar crises, socorrem-se
do amadorismo e da improvisação para solucionar o problema,
valendo-se de quaisquer meios ao seu alcance, inclusive de
negociadores improvisados. Tal concepção, contudo, é superada e
perigosa.
Hoje,
com a experiência pregressa de casos e mais casos em todo o mundo,
pode-se dizer com a certeza que a utilização de negociadores
não-policiais é uma opção de alto risco.
DWAYNE
FUSELIER é peremptório ao dizer que “essas
pessoas, em virtude de geralmente não terem sido treinadas para a
negociação, tenderão, provavelmente, devido ao “stress”
causado pela situação, a se apegar aos seus modos e maneiras de
falar, ao dialogarem com os bandidos”7.
Sendo
assim, de acordo com aquele autor, os religiosos tenderão a se
manter excessivamente moralistas ou teológicos, os advogados
sentirão dificuldades em decidir por qual dos lados estariam
atuando, e até mesmo os profissionais de psiquiatria ou psicologia,
se não tiverem um treinamento prévio a respeito de gerenciamento de
crises, em pouco ou nada poderão contribuir, porquanto estão
acostumados a serem procurados por pessoas que vão lhes pedir
auxílio, e nunca por pessoas que resistam a esse auxílio.
Outro
tipo de negociador não-policial de que freqüentemente se valem os
responsáveis pelo gerenciamento de crises são os familiares de
algum dos bandidos.
A
crônica policial tem registrado que essa prática tem conseqüências
muitas vezes desastrosas.
Já
houve casos verdadeiramente folclóricos em que o cônjuge, o pai ou
a mãe de algum causador de evento crítico se ofereceu para servir
de negociador, com a melhor das intenções, e tão logo se
estabeleceu o contato entre aquelas pessoas e o elemento causador da
crise este reagiu da forma mais agressiva possível, argumentando que
ele se encontrava naquela situação justamente devido àquele
cônjuge, àquele pai ou àquela mãe e que não admitia que a
polícia voltasse a utilizá-los como negociadores por considerar
aquilo chantagem emocional.
Aconteceu
também um caso, nos EUA, em que o irmão de um seqüestrador se
ofereceu para atuar como negociador, garantindo que tinha ascendência
e autoridade sobre o infrator. Obtido o consentimento do comandante
da cena de ação para a realização do contato entre os dois
irmãos, o “negociador” tão logo viu o outro disse “Puxa,
mano! Acabamos de ver você pela televisão, lá em casa. Vá em
frente, firme, pois estamos todos torcendo por você”.
Não
é preciso ser muito perspicaz para perceber o quanto tal afirmativa
não deve Ter influído no ânimo do infrator, dando-lhe um respaldo
psicológico, que, àquela altura dos acontecimentos era inteiramente
pernicioso para os objetivos da polícia.
O
grande argumento contra a utilização de negociadores não-policiais
não é tanto a sua falta de preparo, mas a total inexistência de
compromisso entre eles e a polícia. Quem pode garantir que, nos
contatos realizados com os bandidos, o negociador não-policial vá
se manter fiel às orientações e propostas emanadas do comandante
da cena de ação?
Mesmo
que tal pessoa tenha interesse na solução do evento (um juiz ou um
promotor de justiça, por exemplo), quem pode garantir que ela
aceitará as diretrizes da polícia, principalmente se, na fase de
planejamento específico, estiver se esboçando uma solução com
emprego de força letal?
E
no caso de se decidir pelo uso de força letal, como se esperar que
uma pessoa sem treinamento específico possa exercer um papel tático
na negociação, conforme se descreveu alhures, neste Capítulo?
Finalmente,
se for empregada a força letal, como ficará a responsabilidade
civil do Estado, se o negociador não-policial vier a se ferir, ou
mesmo a perder a vida?
Dentro
dessa ordem de idéia, a doutrina do gerenciamento de crises
considera inteiramente condenável o emprego de negociadores
não-policiais.
Psicólogos,
psiquiatras e até outros expertos em ciências comportamentais
podem e devem ser bem-vindos ao local da crise, mas a sua atuação
se deve limitar tão-somente à prestação de assessoria ao
comandante da cena de ação e aos negociadores policiais.
O
Agente Especial do FBI, DWAYNE FUSELIER, antes citado, é categórico
ao afirmar que “a
menos que haja razões específicas em contrário, os negociadores
devem ser recrutados entre policiais com treinamento apropriado,
assessorados por consultores profissionais em psicologia, se
necessário”8
.
No
Capítulo VII quando tratarmos especificamente da negociação,
voltaremos a falar da figura do negociador não-policial.
Ainda
sobre o negociador, duas últimas recomendações devem ser feitas. A
primeira delas é a de que o comandante da cena de ação se abstenha
totalmente de atuar como negociador, ainda que tenha treinamento
específico sobre esse assunto e se sinta à vontade para assumir
esse papel.
A
experiência tem demonstrado que o comandante da cena de ação nunca
é um bom negociador porque o negociador não
pode ter poder de decisão.
Se isso acontecer, os elementos causadores da crise logo perceberão
esse detalhe e passarão a interpretá-lo diretamente, instando-o a
que atenda imediatamente essa ou aquela exigência, eliminando assim
as possibilidades de procrastinação, tão necessárias para se
ganhar tempo no curso de uma crise.
Por
outro lado, ao se tornar negociador, o comandante da cena de ação,
além de desviar os seus esforços e a sua concentração mental de
inúmeros outros assuntos importantes que envolvem a sua missão de
gerenciar a crise, tornar-se-á um negociador insuscetível de ser
julgado no seu desempenho, pois a tarefa de avaliar e – se for o
caso-substituir o negociador cabe ao próprio comandante da cena de
ação, e se este é o negociador, quem o irá avaliar?
A
Segunda recomendação é no sentido de que se evite utilizar homens
da “SWAT”
(grupo tático) como negociadores.
A
formação e o condicionamento mental desses policiais são
inteiramente voltados para a solução dos eventos críticos através
do emprego da força letal. Isso os torna imprestáveis para promover
uma negociação, que exige, acima de tudo, uma inabalável crença
na solução da crise através do entendimento e do diálogo.
TEMAS
PARA DISCUSSÃO
- A função tática do negociador no processo de gerenciamento de uma crise;
- Deve o negociador ser informado da decisão para uso de força letal, ou esse conhecimento prévio pode prejudicar o seu esforço como negociador e a sinceridade do seu relacionamento com os causadores do evento crítico?
- Enumere e discuta as razões por que um integrante do grupo tático especial não pode ser utilizado como negociador;
- Em 1988, nem evento crítico ocorrido em Goio-Erê/PR, os assaltantes que se encontravam no interior de uma agência bancária mantendo pessoas como reféns, resolveram aceitar fugir num avião para o Paraguai, após a intercessão de um padre e de uma freira no processo de negociação, no quinto dia da crise;
- Faça uma análise crítica da intervenção desses negociadores não-policiais e os reflexos dessa intervenção para a imagem dos órgãos policiais envolvidos no gerenciamento do evento;
- Faça um estudo crítico das características de um bom negociador.
- Analise os proveitos que podem trazer para a negociação o fato de o negociador poder dispor de uma assessoria de profissionais em psicologia.
CAPÍTULO
VII
A
NEGOCIAÇÃO. RECOMENDAÇÕES DOUTRINÁRIAS ACERCA DA NEGOCIAÇÃO.
TÁTICAS DE NEGOCIAÇÃO. A “SINDROME DE ESTOLCOMO”. BREVE
HISTÓRICO DESSE FENÔMENO. CONSEQÜÊNCIAS PRÁTICAS DA SUA
OCORRÊNCIA. EFEITOS DA “SINDROME DE ESTOCOLMO” NO NEGOCIADOR. A
TROCA DE REFÉNS. A SUBSTITUIÇÃO DO NEGOCIADOR. O NEGOCIADOR
IMPROVISADO.
A
opção prioritária que a doutrina de gerenciamento de crises faz
pela solução negociada dos eventos críticos não é gratuita nem
aleatória, e tampouco decorre de uma cosmovisão laxista de solução
dos conflitos no âmbito da segurança pública.
Ela
é resultado de um longo processo de amadurecimento obtido através
do estudo e da análise de milhares de casos ocorridos nos últimos
anos em todo o mundo, os quais têm dado um supedâneo estatístico
de porte à comprovada eficiência desse tipo de solução, se
comparado, por exemplo, com o uso de força letal, também denominado
solução
tática.
As
estatísticas têm demonstrado que a solução negociada, quando
eficientemente conduzida, apresenta resultados muito superiores aos
das soluções de força, que são quase sempre cruentas e com
conseqüências traumatizantes para aqueles que se encontram na
condição de reféns.
É
preciso se ter em mente que aproximadamente 61% dos eventos críticos
são solucionáveis pela simples negociação seja porque as
exigências dos causadores desses eventos estão dentro do razoável
e são integralmente atendidas, seja porque a ganhar tempo no curso
de uma crise.
Não
são raros na crônica policial, os casos em que o evento crítico
não apresenta, na essência, aquela dimensão e aquela gravidade que
aparenta Ter ao eclodir, mas que, em virtude de um mau gerenciamento,
recrudesceu e até desandou para desfechos desastrosos, pelo uso
desnecessário e precipitado de força policial, quando tudo poderia
Ter sido resolvido tão somente com uma boa negociação.
Além do mais, ao optar pelo emprego da negociação até as últimas conseqüências, os responsáveis pelo gerenciamento da crise estarão escolhendo não somente a alternativa mais segura, mas também aquela que é aprovada e ansiada pela maioria absoluta dos mais interessados na solução do evento, que são os reféns, cujas vidas estão em jogo e se pretende preservar.
Pesquisa
de opinião realizada pela revista “TIME”, em agosto de 1989,
revela, entre outras cousas, o seguinte:
Pessoas
favoráveis à negociação...................................58%
Pessoas
contrárias à negociação....................................39%
Pessoas
favoráveis ao pagamento de resgate...............76%
Pessoas
contrárias ao pagamento de resgate................19% 9
Quanto
ao envio de grupos de resgate, mesmo que isso resultasse na eventual
perda de vidas, o resultado da referida pesquisa foi este:
Favoráveis....................................................................40%
Contrários.....................................................................50%10
Nestas
condições, sendo a negociação a alternativa preferida pela
maioria dos virtuais reféns e vítimas de evento crítico, como
deixar de adotá-la prioritariamente, principalmente quando se
recorda que o objetivo maior do gerenciamento de crises é preservar
vidas?
Este
Capítulo tem como objetivo específico estudar a negociação.
A
negociação é uma tarefa árdua e complexa.
Ela
exige do negociador um perfil psicológico peculiar (que já foi
objeto de estudo no Capítulo IV), e tem basicamente quatro
objetivos:
- ganhar tempo;
- abrandar exigências;
- colher informações; e
- prover um suporte tático.
Na
busca desses objetivos básicos, o negociador desenvolve o seu
trabalho dentro do estilo que for peculiar à sua personalidade e ao
saber dos fluxos e refluxos da crise, tendo como únicos balizadores
de sua conduta os critérios de ação em vigor na organização
policial a que pertence.
Inexistem
quaisquer estereótipos ou panacéias que possam ser adotados e que
garantam o bom sucesso dessa difícil empreitada.
A
doutrina, entretanto, baseada em experiências de casos passados,
apresenta algumas recomendações que são de grande valia para
orientar a negociação, evitando assim o cometimento de erros que
são considerados mais comuns nessa atividade.
A
primeira dessas recomendações diz respeito ao número de
negociadores numa crise, que não deve nunca ser inferior a dois,
sendo o ideal que sejam três ou quatro.
E
há razões para isso.
Primeiramente,
em virtude da necessidade de se substituir o negociador, quando a
crise se protrair demasiadamente no tempo. Sabe-se, por experiência,
que as crises são fenômenos de longa duração, sendo bem raras
aquelas que se solucionam em menos de doze horas. O mais comum é que
durem entre dois e cinco dias.
Ora,
não há ser humano que consiga ficar ininterruptamente trabalhando
por tão longo lapso de tempo, mormente numa missão tão estressante
como a de negociador. Havendo mais de um negociador disponível, é
possível se dar uma continuidade ao trabalho, através da realização
de escalas ou rodízios, ao longo da crise.
Outro
motivo é a precaução que deve haver em face da possibilidade de o
negociador se desentender com os causadores do evento crítico, ou
mesmo perder a confiança destes. Nessas hipóteses, a negociação
se inviabiliza com aquele negociador, sendo imprescindível a sua
substituição.
A
Segunda recomendação doutrinária é com relação à troca
de reféns.
Essa
idéia de troca de reféns é hoje inteiramente repudiada, seja
devido a razões morais ou éticas, seja pelo fato de que tais trocas
interferem no desenvolvimento da chamada “Síndrome
de Estocolmo”, de que
falaremos mais adiante, ainda neste Capítulo.
A
terceira recomendação é estreitamente relacionada aos critérios
de ação, de que tratamos no Capítulo I, e que preconiza que toda
e qualquer exigência que contribua para a exacerbação do grau de
risco da crise não deve, sob hipótese alguma, ser atendida.
Os
fundamentos dessa terceira recomendação são óbvios. Se a
negociação visa a buscar uma solução aceitável para a crise,
atenuando-lhe a gravidade e aparando as arestas entre os causadores
do evento e as autoridades policiais, é inteiramente ilógico o
atendimento de uma exigência que somente vai contribuir para a piora
do problema, como é o caso da entrega de armas aos bandidos.
Um
incidente recente, ocorrido em Betim, Minas Gerais, em 1990,
envolvendo a Policia Militar daquele Estado, bem demonstra o acerto
desta recomendação doutrinária.
Pressionada
por uns bandidos que haviam escapado de um presídio mediante a
tomada de reféns, a PMMG concordou em lhes entregar um carro-forte e
três submetralhadoras por eles exigidas. Como resultado desse
destino, todo o Brasil assistiu, pela televisão, os bandidos
receberem as referidas armas e as experimentarem numa rua, em pleno
centro da cidade, dando rajadas para o ar.
Pode-se
plenamente imaginar o risco e a responsabilidade assumidos pelos
tomadores de decisão da PMMG, ao permitir a entrega daquelas armas
aos bandidos, contribuindo, destarte, para o aumento da letalidade do
evento.
Aquelas
mesmas armas, que mais tarde foram utilizadas dentro do carro-forte
para matar dois policiais militares que tinham sido trocados por
reféns (outro erro grave de gerenciamento cometido pela PMMG),
poderiam perfeitamente, num gesto treslouco dos malfeitores, ter sido
utilizadas para metralhar os transeuntes no centro de Betim, na
ocasião em que eram testadas. ????
E
se isso houvesse ocorrido? Como ficaria a PMMG perante a população,
ao ser verificado que as armas utilizadas para ferir e matar pessoas
inocentes haviam sido fornecidas por aquela corporação, como
resultado de uma noção equivocada de negociação?
Portanto,
é mais do que procedente essa terceira recomendação doutrinária.
Se os bandidos tiverem que matar inocentes, que os mate com as armas
de que dispuserem, nunca com armas que lhes tenham sido fornecidas
pela polícia.
Além
dessas três recomendações, a doutrina de gerenciamento de crises
ensina algumas táticas de negociação, que consistem em regras
básicas destinadas a orientar o negociador em sua missão,
otimizando os resultados a serem obtidos.
DWAYNE
FUSELIER e GARY NOESNER apontam quinze regras básicas que devem ser
observadas por todo negociador.11
Essas
regras básicas, de caráter eminentemente empírico e
tradicionalmente observado pelas principais organizações policiais
do mundo no desempenho de missões de negociação, são as
seguintes:
1
– Estabilize
e contenha a situação
O
negociador tem um decisivo papel na estabilização do evento
crítico, devendo empenhar-se no arrefecimento do ânimo dos
bandidos, procurando lhes dar a sensação psicológica de que têm o
controle da situação. Isso evita violência desnecessárias contra
os reféns, quase sempre causados pela falta de domínio da situação
experimentada pelos bandidos nos primeiros momentos da crise.
2
– Escolha a ocasião correta para fazer contato
A
crônica policial registra casos de negociadores apressados, que
foram recebidos a tiros pelos causadores do evento crítico. Por
isso, deve-se aguardar o momento próprio para o início das
negociações, quase sempre resultado de uma iniciativa dos próprios
bandidos.
3
– Procure ganhar tempo
Aliás,
esse é também um dos objetivos da negociação.
Quanto
mais prolongada for uma crise, mais amadurecido ficará o processo
decisório, evitando-se soluções precipitadas e que representam
perigo para os reféns.
Por
outro lado, o tempo é o maior consolidador daquela proteção
psicológica que favorece os reféns, denominada de “Síndrome de
Estocolmo”, que será objeto de abordagem ainda neste Capítulo.
4
– Deixe o indivíduo falar; é mais importante ser um bom ouvinte
do que um bom conversador.
Um
bom negociador é um bom ouvinte.
É
muito mais importante deixar o bandido falar, porque isso não
somente o ajuda a reduzir seu estado de ansiedade, como o propicia a
revelar fatos e dados que podem ser preciosos elementos de
informação.
Além
disso, enquanto o indivíduo fala, o negociador está ganhando tempo
e evitando que o bandido fique fazendo coisas indesejáveis, como,
por exemplo, molestar os reféns.
5
– Não ofereça nada ao indivíduo
Embora
possa parecer um gesto de boa vontade, isso prejudica as negociações,
pois coloca as autoridades numa situação psicológica de
inferioridade perante o bandido, dando-lhe a falsa impressão de que
elas estão dispostas a ceder a tudo para que ele solte os reféns.
Nessa
recomendação está, evidentemente, subentendida a prodigalidade no
atendimento de qualquer exigência. Assim, por exemplo, se o bandido
pede um maço de cigarros, não se deve lhe entregar logo um pacote
com dez maços, e se pede um pouco d’água para beber, não se vai
lhe entregar, de cara, um garrafão cheio, com cinco ou dez litros.
Essa tática é muito importante porque cada aproximação do ponto
crítico corresponde a uma oportunidade de levantamento da situação
existente no seu interior.
6
– Evite dirigir a sua atenção às vítimas com muita freqüência
e não as chame de reféns.
Ao
dirigir, com muita freqüência, a sua atenção para as vítimas, o
negociador poderá fazer com que os causadores da crise acreditem ter
mais poder em mãos do que realmente têm. Nessas condições, a
palavra reféns deve ser considerada como um tabu, e ao se referir
àquelas pessoas, nas conversações com os bandidos, o negociador
deve utilizar expressões eufêmicas, como “às pessoas que estão
com você”, “os funcionários do banco”, ” os homens e
mulheres que estão ai”, etc.
7
- Seja tão honesto quanto possível e evite truques
A
confiança mútua entre os causadores da crise e o negociador é
fundamental para o bom êxito da negociação. Para que essa
confiança se estabeleça, o negociador deve, desde os primeiros
contatos com o bandido, estabelecer um clima de harmonia e
sinceridade entre ambos. Se porventura o infrator desconfiar que o
negociador está mentindo ou procurando enganá-lo, as negociações
se tornarão praticamente inviáveis, havendo com isso um aumento de
risco para os reféns, que poderão sofrer represálias dos bandidos,
que, agindo dessa maneira, procurarão mostrar que “não estão ali
para brincadeiras”.
Se
o negociador cair no descrédito dos bandidos, deve ser substituído
em definitivo.
- - Nunca deixe de atender qualquer exigência, por menor que seja.
O
indivíduo causador da crise está sob forte tensão emocional.
Coisas que são triviais ou insignificantes para quem está do lado
de fora do ponto crítico, podem ser de vital importância para ele.
Conseqüentemente,
solicitações como cigarros, água, papel higiênico, ou quaisquer
outras coisas semelhantes não custam ser atendidas e servem para
manutenção do bom relacionamento com o negociador, além de serem
um bom pretexto para se ganhar tempo.
- Nunca diga “não”.
Por
mais absurda ou exagerada que seja uma exigência do elemento
causador da crise, o negociador nunca deve responder com um o não.
Essa
resposta seca e direta pode provocar uma reação violenta do
indivíduo, existindo inclusive registros de casos em que os
negociadores, após proferirem a negativa, receberam como represália
tiros nas pernas ou até mesmo fatais.
Essa
regra, contudo, não significa que o negociador vá dizer sim.
Negociar não é capitular. O negociador pode perfeitamente responder
que entendeu e anotou a exigência e que irá repassá-la para os
demais policiais para saber o que eles decidirão.
Essa
tática demonstrará a boa vontade do negociador, que poderá até
ser visto pelos bandidos como seu intercessor junto às demais
autoridades.
10
- Procure
abrandar as exigências
Esse
e outro objetivo básico de negociação.
Se
o causador da crise exigisse mundos e fundos e fosse atendido na
hora, não haveria necessidade de negociação nem de gerenciamento
de crises. A negociação existe para, entre outras coisas, tomar as
exigências razoáveis, O abrandamento das exigências pode ser
paulatino, a começar pelo prazo.
Assim,
algo que é exigido para dentro de uma hora, pode ser prometido para
duas ou três horas, sob alegação de uma dificuldade qualquer.
Lembre-se
que os bandidos estão isolados do mundo e, por essa razão, não têm
condições de avaliar se o argumento ou pretexto alegados para a
demora tem ou não fundamento.
11
- Nunca estabeleça um prazo
e procure não aceitar um prazo fatal
O
negociador não deve nunca prometer que as exigências ou pedidos
serão atendidos dentro de determinado limite de tempo. (Por exemplo:
que a garrafa d’água gelada será entregue dentro de dez minutos).
Essa
fixação de prazo oferece duas desvantagens.
A
primeira é que, se por qualquer razão o prazo não vier a ser
atendido, isso poderá causar desconfiança do bandido na palavra do
negociador.
A
Segunda é que, ao estabelecer ou aceitar um prazo fatal, o
negociador está traindo um dos objetivos da negociação que é
ganhar tempo.
12
- Não faça sugestões
alternativas
Se
determinada exigência não for possível de ser atendida, o
negociador não deve fazer uma sugestão alternativa, salvo se ela
tiver a anuência do comandante da cena de ação.
Tal
cautela evita que o bandido tenha uma imagem do negociador como
alguém inteiramente impotente ou irresponsável.
Quem
oferece alternativas é porque tem condições de atendê-las.
13
-
Não
envolva pessoas não-policiais no processo de negociação.
A
negociação, como integrante do processo de gerenciamento de crise,
é assunto policial, não sendo recomendável à interferência de
terceiros, como se viu no Capítulo IV.
Exceções
a esta regra serão estudadas no final deste Capítulo.
14
- Não
permita qualquer troca de reféns, principalmente não troque um
negociador por refém.
Trata-se
de uma das três recomendações doutrinárias acerca da negociação.
A troca de reféns em nada contribui para a solução definitiva do
evento crítico, acarretando sérios questionamentos de ordem moral,
além de proporcionar um aumento da tensão no interior do ponto
crítico devido à quebra da proteção psicológica conferida pela
chamada “Síndrome de Estocolmo”, de que falaremos adiante.
15
- Evite negociar cara a cara
É
um risco que deve ser evitado, pois além de não trazer nenhum
benefício prático à negociação expõe o negociador (que durante
os contatos com os causadores da crise deve sempre estar desarmado)
a ser atacado de surpresa e passar também à condição de refém.
Os
bandidos podem perfeitamente querer correr o risco de capturar o
negociador para ter um trunfo mais valioso nas suas negociações com
a polícia.
Assim
sendo, é sempre aconselhável manter uma distância nunca inferior a
dez metros nos contatos com os bandidos. O negociador não deve nunca
ultrapassar essa “marca do pênalti”, principalmente se estiver
posicionado num mesmo plano de terreno que os bandidos ou não houver
qualquer obstáculo físico que o separe deles.
Analisando
essas quinze regras básicas de negociação enumeradas por FUSELIER
e NOESNER, passemos
ao estudo de um outro assunto de grande importância para a
negociação e o gerenciamento de crises como um todo. Trata-se da
“Síndrome de Estocolmo”.
Segundo
o Capitão FRANK BOLZ,
do Departamento de Polícia de Nova Iorque, essa síndrome nada mais
é do que um mecanismo de tolerância, tão involuntário quanto
respirar”.12
Ainda
segundo o mesmo autor, a expressão “Síndrome de Estocolmo” foi
criada pelo Dr. HARVEY SCHLOSSBERG, um detetive policial que mais
tarde se tornou psicólogo clínico.13
Tal
denominação decorreu, segundo FRANK BOLZ, de uma crise ocorrida em
Estocolmo, na Suécia.14
Um
elemento armado entrou no Banco de Crédito de Estocolmo e tentou
praticar um roubo. Com a chegada da polícia, o assaltante tomou três
mulheres e um homem como reféns e entrou com eles na caixa-forte do
Banco exigindo da polícia que trouxesse ao local um seu antigo
cúmplice, que se encontrava na prisão.
Atendido
nessa exigência, o assaltante e o seu companheiro mantiveram os
reféns em seu poder durante seis dias, no interior da caixa-forte,
tendo ao final desse tempo se entregado sem resistência.
Ao
saírem da caixa-forte, os quatro reféns usaram seus próprios
corpos como escudos para proteger os dois bandidos de qualquer tiro
da polícia, ao mesmo tempo em que pediram aos policiais para não
atirarem.
Mais
tarde, ao ser entrevistada pela mídia, uma das jovens que estivera
como refém expressou sentimentos de muita simpatia para com um dos
bandidos, chegando a dizer que esperaria até o dia que ele saísse
da cadeia para se casarem. Muitas pessoas ficaram chocadas ao ouvirem
isso, chegando mesmo a imaginar que tivesse havido algum envolvimento
sexual entre aquela moça e o bandido, durante o tempo em que ficaram
confinados no interior da caixa-forte.
Mas
na verdade, não ocorrera nenhum contato sexual ou relacionamento
amoroso. Muito pelo contrário. Por várias vezes, durante a crise, o
bandido exibira a referida moça, com uma arma sob o queixo, aos
policiais. Soube-se também que, a certa altura, ao desconfiarem que
a polícia pretendia jogar gás lacrimogêneo no interior da
caixa-forte, os bandidos amarraram os pescoços dos reféns aos
puxadores das gavetas de aço dos cofres ali existentes. Com isso
pretendiam eles responsabilizar o polícia por algum virtual
enforcamento dos reféns, causado pelo pânico que adviria com o
lançamento do gás no interior da caixa-forte.
Apesar
de todas essas ações violentas, a jovem desenvolveu sentimentos de
profunda amizade para com um dos bandidos, fato esse que até mesmo
ela considerou inexplicável.
Havia,
portanto, outras razões que motivaram aquele inesperado sentimento
de amor e simpatia da jovem para com o seu ex-algoz.
Com
a repetição desses fenômenos em vários outros casos semelhantes,
os estudiosos do assunto chegaram à conclusão de que a “Síndrome
de Estocolmo” era uma
perturbação de ordem psicológica, paralela à chamada
“transferência” que é o tempo que a Psicologia usa para se
referir ao relacionamento que se desenvolve entre um paciente e o
psiquiatra, e que permite que a terapia tenha sucesso. O paciente
precisa acreditar que o médico pode ajudá-lo a fim de que o
tratamento tenha bom êxito, e como resultado desse esforço, o
paciente desenvolve o fenômeno da “transferência”.
As
pessoas, quando estão vivendo momentos cruciais, costumam se apegar
a qualquer coisa que lhes indiquem a saída, e é exatamente isso que
ocorre com os reféns e os bandidos.
Por
ocasião de um evento crítico, tanto uns como outros estão sob
forte tensão emocional.
Por
essa razão, os reféns passam conscientemente a desejar que tudo dê
certo para os bandidos, isto é, que eles consigam o dinheiro do
resgate, que lhes sejam satisfeitas todas as exigências e que,
afinal, possam fugir em paz, deixando os reféns com vida.
Nesse
processo mental, os reféns passam a considerar como totalmente
indesejável toda e qualquer intervenção policial e,
freqüentemente, os próprios valores sedimentados ao longo da vida
costumam ser questionados e até mudados por essas pessoas.
Dessa
ânsia desesperada pelo bom sucesso dos bandidos para a simpatia, a
admiração, e até mesmo o amor ou o bem-querer, é um passo.
A
expressão “Síndrome
de Estocolmo”
já é hodiernamente consagrada, tendo sido inclusive incluída em
alguns dicionários, como é o caso do americano “MICHAELIS”,
edição 1996, e do “DICCIONARIO DIDÁCTICO DE ESPAÑOL”, da
editora SM, de Madri, edição 1994.
Em
1987, durante um assalto à Agência do Banco BANESTADO, em
Londrina/PR, os assaltantes, com a chegada inopinada da polícia,
fizeram como reféns dezenas de pessoas que se encontravam no
interior do Banco.
Ao
final da crise, que durou quase três dias, os assaltantes lograram
fugir, levando consigo todo o produto do roubo.
Todos
os reféns liberados sofreram os efeitos da “Síndrome de
Estocolmo” tendo feito muitos e muitos elogios aos assaltantes,
descrevendo-os como pessoas “muito simpáticas, educadas e
inteligentes”.
Um
Capitão da PM/PR, que juntamente com uma jovem foi levado como refém
durante a fuga, narrou-nos que, durante o trajeto da fuga, no
interior do veículo, a jovem pôs de lado toda a pudicícia e
ofereceu-se a um dos bandidos, dizendo-lhe que se apaixonara por ele
e que gostaria de fazer amor consigo, ali ou em qualquer lugar, pois
temia que ele viesse a morrer e ela não pudesse realizar esse
desejo.
Mais
recentemente, em junho de 1991, a estudante carioca FLÁVIA
DE OLIVEIRA TEIXEIRA,
foi seqüestrada, na Ilha do Governador, Rio de Janeiro. Libertada
após três dias de cativeiro e mediante o pagamento de milhares de
dólares como resgate, ela apresentou sintomas bastante evidentes de
que desenvolveu o fenômeno da “Síndrome de Estocolmo”.
Segundo
reportagem publicada numa revista de âmbito nacional, sob o título
“GAROTA
CARIOCA SE APAIXONA POR SEUS SEQUESTRADORES”,
a ex-refém não estava revoltada pela violência que sofreu e, ao
contrário, fez uma defesa apaixonada de seus seqüestradores, que,
segundo ela, eram “gente
de bom coração, fruto de uma sociedade gananciosa”.
A
referida jovem, segundo a reportagem, desenvolveu até uma especial
relação de carinho com um dos seqüestradores, de nome JORGE,
que,
como ela própria narra, ficou apaixonado e chegou a se deitar ao seu
lado, no tapete, e lhe acariciou os seus cabelos, durante o
cativeiro.
Segundo
ela, foi também esse seqüestrador que lhe deu um anel de prata, que
ela agora usa na mão direita e não pretende mais tirar.
Essa
síndrome não atinge apenas os reféns.
Também
os causadores do evento crítico, pelo fato de serem seres humanos
vivendo um momento crucial, estão sujeitos aos seus efeitos.
Para
os bandidos, os reféns são a sua tábua de salvação, o seu
passaporte para a liberdade e o grande anteparo que os protege das
balas da polícia. Nessas condições, é inevitável que os bandidos
passem a desenvolver sentimentos de proteção, de cuidado, e até de
amor e carinho, para com os reféns.
Como
resultado disso, os reféns passam a gozar de uma proteção
psicológica cuja principal conseqüência é o não-cumprimento de
prazos fatias por parte dos bandidos. Instalada a síndrome, é quase
impossível que algum dos reféns a ser executado simplesmente porque
as autoridades não estão atendendo essa ou aquela exigência.
E
a partir de que instante se instala a “Síndrome
de Estocolmo?”
A
experiência tem demonstrado que o fenômeno leva de 15 a 45 minutos
para começar a se manifestar, tendendo a crescer e a se sedimentar
num determinado patamar, logo nas primeiras horas de evolução.
Esse
lapso de 15 a 45 minutos iniciais decorre do fato de que é esse o
tempo que os causadores da crise levam para conseguir obter o total
controle da situação no interior do ponto crítico, dominando todos
os reféns, posicionando-os da forma mais conveniente e neutralizando
possíveis reações ou resistências por parte de alguém mais
afoito ou desesperado.
A
“Síndrome
de Estocolmo”
é uma constante em toda e qualquer crise, embora apresente graus de
intensidade que variam de caso a caso, a depender dos seguintes
fatores:
- Grau de risco ou ameaça. (Quanto maior o risco mais rápida e intensamente se desenvolve a síndrome).
- Estado de saúde mental dos bandidos. Está comprovado que os psicopatas e os fanáticos religiosos não desenvolvem a síndrome, daí a razão da letalidade dos eventos que envolvem esse tipo de elemento.
- Condicionamento mental das pessoas. Quem adredemente se condiciona a não desenvolver a síndrome, geralmente obtém Êxito nisso.
- A proximidade física entre as pessoas. Quanto mais exíguo for o ambiente, melhor desenvolve o fenômeno.
Até
mesmo o negociador é suscetível de ser contagiado por essa
síndrome, sendo comuns os casos de negociadores que se envolveram
emocionalmente com os bandidos, a tal ponto que chegaram a se tomar
autênticos advogados de defesa das exigências daqueles e
impedernidos adversários da opção de uso de força letal.
Cabe
ao comandante da cena de ação o cuidado de diagnosticar a tempo
esse contágio e providenciar a imediata substituição do
negociador.
Pelo
exposto, verifica-se que a troca de reféns é uma idéia que deve
ser abolida, pois ela contribui para a quebra da proteção
psicológica oferecida pela síndrome ora tratada.
Essa
quebra se deve à entrada, no ponto crítico, de um “extraneus”,
isto é, alguém que não estava ali desde os primeiros momentos.
Esse
“extraneus” passa
então a inspirar desconfiança a todos os que ali encontram, por
serem desconhecidos os seus planos e intenções, ao aceitar passar à
difícil condição de refém. Não somente os bandidos, mas também
os reféns não costumam aceitar o novato com muita simpatia, pois
geralmente se sentem na condição de preteridos, por não terem sido
os escolhidos para serem trocados.
A
lei da sobrevivência faz com que cada um dos reféns considere a
própria vida como a mais importante.
A
negociação, como vimos, é um processo que se desenvolve durante
todo o curso da crise. Ela é um fenômeno espontâneo e natural,
sendo uma necessidade imperiosa tanto para as autoridades policiais
como para os causadores do evento crítico.
Estes
últimos, particularmente, sentem uma carência absoluta de que o
processo de negociação não tenha solução de continuidade.
Somente
para exemplificar, durante a rebelião de presos ocorrida no dia 13
de novembro de 1989, na Penitenciária Central do Estado do Paraná,
a que nos reportamos np Capítulo I, houve um determinado momento em
que os bandidos estavam muito agitados, pressionando para que suas
exigências fossem atendidas imediatamente, a tal ponto que estava se
tornando impossível qualquer diálogo entre eles e as autoridades.
Surgiu
então a idéia de se cortar as comunicações, retirando-se os
“plugs” das
tomadas dos dois telefones internos que estavam sendo utilizados para
as negociações. Esse corte de ligações foi mantido por
aproximadamente 15 minutos. Resultado: ao se religarem os telefones,
retomando-se os contatos com os bandidos, observou-se que eles
ficaram apavorados com a interrupção, tornando-se mais mansos e
maleáveis a partir de então.
Essa
necessidade de continuidade das negociações – imperiosa tanto
para as autoridades como para os bandidos – faz com que
determinadas cautelas sejam tomadas, quando for preciso realizar a
substituição do negociador. A substituição do negociador, seja
por motivo de cansaço, de incompatibilidade, ou qualquer outro, deve
ser cercada de muita habilidade, dando-se disso clara ciência aos
bandidos, podendo ser alegados problemas de saúde, sono, doença ou
qualquer outro havido com o negociador.
Essa
troca será bem menos traumática se, desde o início da negociação,
o negociador e seu substituto atuarem conjuntamente nos contatos com
os bandidos. Isso, com certeza, dispensará maiores cautelas na hora
da substituição, além de proporcionar uma continuidade do fluxo de
informações, o que não ocorreria tão naturalmente, se a função
de negociador fosse assumida por um policial que “pegou o bonde
andando”.
Não
deve o comandante da cena de ação nunca esquecer que, quando as
negociações estão fluindo sem maiores obstáculos, isso é um bom
sinal de que os causadores do evento crítico estão contraindo os
efeitos da “Síndrome de Estocolmo” com relação aos
negociadores, condição essa que pode ser prejudicada com uma troca
abrupta de negociador.
Por
outro lado, há também indicadores que denotam situações de alto
risco para as vidas dos reféns e que não devem ser olvidados pelo
comandante da cena de ação.
Segundo
DENIS W. BRAIDEN, supervisor do “Critical Incident Response Group”
(CIRG), do FBI, esses indicadores de alto risco são os seguintes:15
- O elemento atua de certa forma propositadamente, porque já sabe de antemão que essa atuação produzirá uma reação ou enfrentamento com a polícia;
- A vítima é uma pessoa conhecida do elemento e por ele especificamente selecionada, especialmente se anteriormente teve algum encontro amoroso com o elemento ou se é parente dele;
- A vítima e o elemento tiveram dificuldades anteriores suficientemente sérias para merecer a intervenção da polícia, especialmente quando as dificuldades tenham sido casos de maus-tratos da esposa ou filhos, e/ou a vítima tenha registrado um processo ou queixa contra o elemento;
- Ameaças diretas (ou algum dano real) à vítima, sem haver, por parte do elemento, qualquer exigência substancial nas negociações;
- O elemento participou de incidentes semelhantes anteriormente;
- O elemento sofreu algum revés recentemente, como por exemplo, perdas econômicas, demissão do emprego, trauma emocional ou perda do amor próprio;
- O elemento pertence a um grupo étnico, cujos valores culturais estabelecem que “não se deve perder prestígio ou ficar mal” ou que “o macho ou o varão predomina”;
- O elemento não pertence a nenhum grupo familiar nem tem um sistema de apoio, carecendo de família ou amigos, ou quando existe um isolamento crônico em sua família;
- O elemento expressa intenção de se suicidar;
10)
O elemento forneceu um “testamento oral” a alguém ou andou,
antes da crise, colocando em ordem os seus assuntos particulares.
Nesta
abordagem desenvolvida sobre a negociação, ao longo deste Capítulo,
resta-nos ainda tratar do chamado negociador
não-policial.
A
figura do negociador não-policial já foi objeto de exame no
Capítulo IV, onde ficou dito, transcrevendo-se um pensamento de
DWAYNE FUSELIER,
que “a menos que haja
razões específicas em contrário, os negociadores devem ser
recrutados dentre policiais com treinamento apropriado”.
É
justamente dessas “razões específicas em contrário”, referidas
na citação acima que vamos nos ocupar agora.
Existem,
efetivamente, situações em que a figura do negociador não policial
não somente é inafastável, como aparece como sendo a única
alternativa viável de negociação.
Geralmente,
isso ocorre nos casos de extorsão mediante seqüestro, em que a
família do seqüestrado é a primeira a ser contatada pelos
seqüestradores. Esses contatos iniciais, quase sempre feitos por
telefone, contêm invariavelmente a exigência preliminar de que a
polícia se mantenha afastada do caso.
Tal
situação praticamente inviabiliza o exercício da negociação por
parte da polícia, porquanto aos bandidos só interessa que ela se
mantenha afastada do evento.
Nessas
condições, a doutrina recomenda aos organismos policiais que adotem
a postura de se afastarem do caso, desde que formalmente
solicitado pela família da
vítima.
Esse
afastamento, todavia, deve ser realizado mediante o esclarecimento
explícito de duas condições aos familiares: em primeiro lugar, que
a polícia se manterá afastada somente enquanto durar o cativeiro do
ente seqüestrado, e, o segundo lugar, que a polícia põe à
disposição da família todos os seus recursos para viabilizar o bom
êxito da crise, orientando os negociadores não-policiais, para
evitar que eles sejam vítimas de golpes de espertalhões (que se
aproveitam do evento para se passarem pelos seqüestradores e
abocanharem o resgate), e preparando o terreno para que uma possível
entrega do resgate ocorra sem incidente (que podem ser causados
involuntariamente pela própria polícia, se estiver completamente
desinformada sobre o assunto).16
Essa
assessoria da polícia aos negociadores não-policiais, em casos
dessa natureza, é indispensável, sendo também uma boa estratégia
para desmascarar seqüestros forjados por ricaços inescrupulosos,
que simulam tais situações com o objetivo de sanearem as suas
finanças, uma prática hedionda, que, infelizmente, tem começado a
se difundir no Brasil.
TEMAS
PARA DISCUSÃO
- A aceitação social da opção negociada para solução dos eventos críticos.
- Formas de coleta de informações através da negociação.
- O número de integrantes de uma equipe de negociadores. Formas de realização de escalas, turnos e rodízios dos negociadores, ao longo de uma crise de longa duração.
- A importância de o negociador ser um bom ouvinte no processo de negociação.
- Analise a importância da confiabilidade do negociador e as conseqüências da ruptura dessa confiabilidade na negociação.
- Estude um caso real de crise em que houve troca de reféns, e faça uma análise das conseqüências advindas dessa medida no processo de solução do evento.
- Entreviste cinco pessoas que estiveram na condição de refém por mais de três horas e procure verificar quantas delas desenvolveram a “Síndrome de Estocolmo”. Enumere os sintomas do desenvolvimento dessa síndrome em cada um dos entrevistados.
- No ano de 1990, no Piauí, um rapaz foi seqüestrado, tendo o resgate exigido sido pago dias depois, sem que houvesse a prometida libertação do refém. Posteriormente, este veio a aparecer morto, assassinado que fora pelo seqüestrador, o qual foi preso dias depois, sendo então constatado que se tratava de um parente próximo do refém. Analise esse caso à luz da “Síndrome de Estocolmo”, especialmente procurando determinar se ele serve para contrariar a tese do desenvolvimento dessa síndrome em todo e qualquer evento crítico onde houver reféns.
- Através de jornais e revistas (vá a uma biblioteca pública, se não os tiver), faça um levantamento minucioso de todas as crises com reféns ocorridas no Brasil nos anos de 1989 e 1990, verificando em quantas delas houve morte de reféns por ação dos bandidos. Analise os casos de morte porventura verificados, à luz da tese da “Síndrome de Estocolmo”.
- A troca de reféns e as suas influências no desenvolvimento da “Síndrome de Estocolmo”.
- O Jornal “Folha de São Paulo” e a revista americana “TIME”, ao noticiarem a invasão da casa do embaixador japonês em Lima/Peru, no dia 22Abr97, por forças policiais e militares peruanas, para a libertação de setenta e dois reféns que ali se encontravam mantidos em poder de guerrilheiros do MRTA, durante cento e vinte e seis dias, mencionaram que um dos reféns falou que, durante a operação de resgate, um jovem guerrilheiro empunhando um fuzil numa das salas onde eram mantidos alguns reféns e, ao invés de mata-los, como seria de se esperar, simplesmente os olhou de uma forma triste, baixou a cabeça e se retirou, fechando a porta atrás de si. Analise o comportamento daquele jovem sob a ótica do fenômeno conhecido por “Síndrome de Estocolmo”.
CAPÍTULO
VIII
ELEMENTOS
OPERACIONAIS ESSENCIAIS. O GRUPO TÁTICO ESPECIAL (“SWAT”).
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO “SWAT” NOS EUA. COMPONENTES
TÁTICOS DE UMA “SWAT” RECOMENDAÇÕES SOBRE O RECRUTAMENTO. A
SELEÇÃO E O TREINAMENTO DO PESSOAL DE UMA ”SWAT”. CONSIDERAÇÕES
DE NATUREZA ÉTICA. O COMANDO DE OPERAÇÕES TÁTICAS (COT) DO
DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL.
Além
do comandante da cena de ação e do negociador, existe um outro
elemento operacional essencial para o gerenciamento de uma crise
denominado grupo tático
especial, ou simplesmente
“SWAT”,
como é internacionalmente conhecido.
A
“SWAT”,
cujo nome é resultado da abreviatura da expressão inglesa
“Special Weapons and Tactics”
(Armas e Táticas
Especiais”), é um
conceito relativamente recente na história policial.
Surgiu
no início da década de sessenta, em Los Angeles/EUA, com a
denominação inicial SWT
(“Special Weapons Team”,
isto é, “Grupo de Armas Especiais”), como resultado da
necessidade que, a partir daquela época, algumas organizações
policiais norte-americanas passaram a ter que dispor de um grupo
tático altamente treinado, capaz de enfrentar eventos críticos de
alto risco, com rapidez e eficiência.
Esse
conceito baseava-se nos mesmos princípios dos chamados comandos,
que as forças armadas de alguns dos países beligerantes na Segunda
Guerra Mundial desenvolveram para missões especiais, e tinham como
idéia básica a concepção de que, para realização de missões de
alto risco, seria muito mais fácil, eficaz e menos dispendioso
treinar e aprestar uma pequena parcela do efetivo de uma corporação
do que todos os seus integrantes. Inicialmente, as “SWATs”
foram concebidas com um
total de quinze homens. Depois o conceito evoluiu para efetivos de
cinco homens e, finalmente, chegou-se a uma concepção ideal de sete
a dez homens.
Seja
como for, o fato é que o conceito “SWAT”
é hoje uma realidade em todo o mundo, sendo raras as organizações
policiais que não dispõem de um grupo dessa natureza, estando já
consolidada aquela máxima de que “quando a população tem
problemas, chama a polícia, e quando a polícia tem problemas, chama
a SWAT”.
Alguns
desses grupos são muito famosos e até lendários, como é o caso
das “SWATs”
das polícias de Los Angeles e Miami; do HRT (“Hostage
Rescue Team”), do FBI; do
SAS da Inglaterra; do GSG – 9, da Alemanha; e do GEO, da Espanha.
Outros,
como é o caso do COT (Comando de Operações Táticas), do DPF,
do GATE (Grupo de Ações
Táticas Especiais), da Polícia Militar de São Paulo, do TIGRE
(Táticos Integrados de Grupos de Repressão Especial), da Polícia
Civil do Paraná, e do GER (Grupo Especial de Resgate), da Polícia
Civil de São Paulo, ainda são recentes, mas já gozam de prestígios
e de um currículo de feitos respeitáveis. Uma “SWAT” é
integrada basicamente por dois componentes táticos: os
franco-atiradores
(“snipers”), também
chamados de atiradores de
elite, e os atacantes
(“assauters”), a quem
incumbe a missão de resgate propriamente dita.
Essa
dicotomia, contudo, é meramente teórica, para fins de planejamento
operacional, porque, na prática, todo e qualquer integrante de um
grupo tático dessa natureza deve possuir aptidão tanto para atuar
como franco-atirador como para agir como atacante no chamado grupo de
assalto.
Toda
“SWAT” é comandado por um policial denominado chefe
ou comandante do grupo
tático, o qual não deve
ser confundido com o comandante da cena de ação, de que tratamos
especificamente, no Capítulo III.
O
conceito “SWAT” baseia-se nos seguintes fundamentos doutrinários:
- é uma unidade paramilitar de pequeno porte (5 a 10 homens);
- fundamenta-se na hierarquia, na disciplina e na lealdade;
- o recrutamento é feito na base do voluntariado, sendo a escolha pautada na conduta, na coragem e na experiência do candidato em situações de crise;
- o grupo é submetido a treinamentos constantes e tão assemelhados quando possível à realidade;
- os seus integrantes trabalham em regime de dedicação exclusiva ao grupo; e
- todos assumem o compromisso de matar (“commitment to kill”, no dizer dos norte-americanos).
Pela
simples leitura desses fundamentos doutrinários, verifica-se que
esses grupos táticos, além de muito eficientes e disciplinados, são
muito violentos e perigosos, devendo a organização policial a que
está subordinado exercer sobre eles um rigoroso controle, evitando
utiliza-los em missões onde não sejam necessários.
Esse
controle não deve, contudo, ser exercido a tal ponto de inibir-lhes
a atuação ou prejudicar-lhes a coesão interna.
Os
policiais que integram tais grupos, por correrem elevados riscos e
estarem sujeitos a assumir o compromisso de matar, necessitam ser
recrutados voluntariamente e, ao passarem a integrar o grupo, deverão
se submeter irrestritamente aos seus princípios, sob pena de
imediata e sumária exclusão.
A
organização policial, por seu turno, necessita dar a esses homens
todo o apoio e assistência, tanto no caso de acidentes como no caso
de distúrbios emocionais ou psicológicos, pois, conforme será
estudado no Capítulo X, toda ação tática tem que ser realizada
com rapidez, surpresa e
agressividade, sob pena de
fracassar e causar perdas de vidas inocentes. Tal desempenho não
pode vir a ser prejudicado por policiais que se encontrem com
problemas emocionais.
Ninguém
assume perante uma organização o compromisso de matar se constata a
possibilidade de amanhã estar no banco dos réus, enfrentando um
júri, por haver cumprido o dever.
Há
quem discuta, no Brasil, os fundamentos legais e doutrinários do
chamado compromisso de matar.
A
indagação surgiu durante o “Curso de Aperfeiçoamento de
Magistrados” promovido pela associação dos Magistrados do Estado
do Paraná, em setembro de 1990, quando fomos convidados para
proferir a palestra inaugural, abordando o tema “Gerenciamento de
Crises”.
Naquela
oportunidade, um dos juizes presentes argumentou que, embora
entendesse que a ação da “SWAT” estivesse legalmente albergada
pelo instituto jurídico-penal da legítima defesa de terceiros, ele
entendia que havia uma contradição na doutrina de gerenciamento de
crises, pois se esta tinha como objetivos básicos preservar vidas e
aplicar a lei (veja-se o Capítulo I), não via o magistrado como
encontrar justificativa, á luz daqueles dois objetivos, para o
compromisso de matar, que era assumido pelos integrantes do grupo
tático.
A
resposta que demos a referida indagação foi coerente com os
princípios doutrinários.
Dissemos,
na ocasião, que é justamente porque a preservação da vida é o
primeiro e mais importante dos objetivos da doutrina de gerenciamento
de crises que ela admite o compromisso de matar. Ao decidir pelo uso
de força letal, o comandante da cena de ação tem que se basear em
dois inarredáveis pré-requisitos: o esgotamento de toda e qualquer
possibilidade de negociação e o iminente risco de vida para os
reféns (geralmente configurado quando houver uma deliberada ação
dos bandidos para ferir gravemente ou executar algum dos reféns).
Ora,
o grupo tático encarregado do resgate dos reféns ainda com vida não
se pode dar ao luxo de tentar simplesmente ferir (ainda que
gravemente) os bandidos, pois essa ação não seria suficiente para
neutraliza-los e impedi-los de, um gesto de ódio desesperado, matar
os reféns, frustrando o objetivo da missão.
A
única missão que elimina totalmente essa possibilidade é a
execução, pura e simples, dos bandidos.
Ao
ingressar num ponto crítico para promoverem um resgate, os homens do
grupo tático estão treinados e condicionados a matar os bandidos e
libertar os reféns incólumes. Se porventura algum bandido lograr
escapar com vida é porque a missão não foi cumprida com perfeição.
E,
ao final do evento, não se pode deixar de admitir que o objetivo de
preservar vidas foi atingido. Que o digam os reféns resgatados!
Após
essas nossas ponderações, um outro magistrado presente ao encontro
aparteou, argumentando que a idéia de preservação de vidas, de
acordo com a própria doutrina, inclui
também a vida dos bandidos,
podendo acontecer que estes, ao virem o ataque do grupo tático,
resolvessem, num instante supremo, depor armas e se entregar. A
existência do compromisso de matar tornaria esse gesto de
arrependimento inteiramente ineficaz, o que, segundo o juiz,
contrariava o princípio doutrinário da preservação da vida.
A
essa pertinente indagação, respondemos que os integrantes dos
grupos táticos são treinados e condicionados a atirar para matar,
mas que esse condicionamento também engloba o ato de não atirar,
quando houver uma inequívoca situação de rendição. Pode haver
erros, não há dúvida nenhuma disso, mas esses erros – que
geralmente resultam na morte do bandido que no último instante
queria se render – ficam configurados como erros
escusáveis ou invencíveis,
reconhecidos como excludentes da punibilidade, dentro das chamadas
descriminantes putativas,
pelo Direito Penal Brasileiro.
Os
causadores do evento crítico, de acordo com a doutrina de
gerenciamento de crises, tiveram a sua oportunidade de negociar, de
depor armas e de buscar uma saída honrosa e segura para o problema
que eles próprios criaram. Extintas as negociações por ato
unilateral deles, e começadas inequívocas ações contra as vidas
dos reféns, não se pode esperar que um policial condicionado a
atirar para matar vá interpretar um gesto desesperado de rendição
como autêntico. Se isso acontecer, tudo bem – a vida do bandido
será preservada – mas, no caso contrário, não há por que a
polícia e a justiça ficarem chorando o leite derramado (que não
era, afinal de contas, de tão boa qualidade).
Sendo
os grupos táticos especiais dotados de tão delicados encargos, e
sujeitos aos riscos decorrentes dessa condição, impõe-se como
inafastável princípio moral que eles sejam dotados de regidos
fundamentos éticos.
Os
fundamentos éticos
dos grupos táticos (“SWATs”)
são os seguintes:
- a responsabilidade coletiva
- a fidelidade aos objetivos doutrinários;
- o voluntariado;
- o dever de silêncio.
A responsabilidade coletiva
implica em que todos os integrantes do grupo são responsáveis
solidariamente pelos atos praticados durante uma ação tática.
Nessas condições, a responsabilidade
de cada um dilui-se por todo o grupo. Para implementar esse
princípio, todo grupo tático possui um uniforme (geralmente negro),
cujo uso é obrigatório durante qualquer missão. Além do uniforme,
cada integrante do grupo utiliza uma espécie e máscara denominada
balaclava17,
feita de tecido e que
oculta, como um capuz, toda a cabeça do policial, com exceção dos
olhos.
Tal vestimenta praticamente torna
impossível identificar qualquer um dos policiais, principalmente se
se levar em consideração que todos possuem praticamente a mesma
altura e o mesmo biótipo.
Nessas condições, se algum erro
for cometido, nem mesmo os companheiros de ação serão capazes de
identificar o responsável.
Cabe aqui lembrar um caso recente de
erro policial ocorrido em 1989, em que, pela inobservância dessa
elementar cautela, um atirador de elite do grupo tático especial da
Polícia Militar de São Paulo está sendo levado ao banco dos réus.
Durante uma crise ocorrida na capital
paulista, um casal de bandidos mantinha como refém os membros de uma
família.
A certa altura, o bandido veio até a
janela, com uma moça contra quem ele apontava um revólver.
Um cabo da PM/SP, integrantes do
referido grupo tático, que se encontrava cercando o ponto crítico,
deu um tiro de carabina que simultaneamente matou o bandido e a
refém.
Sem
se entrar em considerações sobre se o tiro foi dado em virtude de
ordem recebida ou por auto-deliberação daquele cabo, e sem também
se discutir se tal decisão atendia ou não aos critérios de ação
preconizados pela doutrina, cumpre apenas aqui constatar, por ser
oportuno, que o policial, ao disparar o malfadado tiro, tinha
erradamente o rosto descoberto e estava diante das câmaras de
televisão, de modo que todo o país assistiu estarrecido àquele seu
ato infeliz e, como resultado de sua clara identificação, está ele
hoje respondendo a um processo que poderá lhe custar o emprego e a
liberdade.
O
segundo fundamento ético é a fidelidade
aos princípios doutrinários.
Isso
significa que um grupo tático especial somente deve ser empregado
dentro da mais estrita e rigorosa observância dos princípios
doutrinários do gerenciamento de crises.
Essa
recomendação é válida também para os altos executivos da
polícia. Eles não devem por qualquer dá-cá-essa-palha, acionar o
grupo tático.
“SWAT”
não existe para fazer “blitz” policial. “SWAT” não existe
para efetuar prisões de delinqüentes, ainda que perigosos. “SWAT”
não existe para dar demonstrações de força policial, nem para
fazer segurança de dignitários. A finalidade precípua de uma
“SWAT” é agir em situações de crise, quando existe perigo de
vidas de pessoas na condição de reféns.
Utiliza-la
em outros eventos, ainda que arriscados e perigosos, é desvirtuar a
finalidade doutrinária do grupo e transformá-lo num autêntico
esquadrão de extermínio, o que é ilegal.
O
terceiro fundamento ético é o voluntariado.
Vimos
anteriormente que o voluntariado é a forma de recrutamento dos
integrantes de um grupo tático especial.
O
voluntariado é também erigido à condição de um fundamento ético,
o que significa que nenhum policial poderá ser coagido ou induzido a
permanecer no grupo. Não importa o quanto a organização policial
tenha investido no seu treinamento, se ele quiser ser desligado, não
se o deve impedir.
O
último fundamento ético é o dever
de silêncio.
Esse
dever de silencia é corolário do princípio da responsabilidade
coletiva.
Ainda
que observem erros graves dos seus pares durante as operações, o
integrante de um grupo tático especial não os deve divulgar nem
revelar.
A
doutrina, dentro do princípio da lealdade, faculta-lhe o
direito-dever de discutir e discordar dos erros cometidos,
criticando-os durante os freqüentes “briefings” e reuniões do
grupo, exigindo correção de rumo, mas veda-lhe qualquer direito de
divulgação sob pena de exclusão.
Antes
de encerrar este Capítulo, é de bom alvitre tecer algumas
considerações sobre o Comando de Operações Táticas (COT), que é
a “SWAT” do DPF.
O
COT surgiu graças ao pioneirismo e à visão prospectiva de um
ilustre policial, deste Departamento o Delegado RAIMUNDO CARDOSO DA
COSTA MARIZ, hoje aposentado.
No
dia 13 de março de 1987, através de Ordem de Serviço nº
001/G/CCP, o referido delegado, então ocupando a função de
Coordenador Central Policial, resolveu criar o COT, com o objetivo de
atuar em eventos críticos cujo gerenciamento competisse ao DPF.
O
começo foi árduo e desprovido de recursos, tendo o próprio
delegado MARIZ se encarregado do treinamento dos poucos voluntários
que se ofereceram para participar daquela pioneira empreitada.
No
ano seguinte, através da Instrução Normativa nº 08/88, do
Diretor-Geral do DPF, Delegado ROMEU
TUMA,
A Polícia Federal passou a ter a responsabilidade de assumir o
comando das operações policiais, até solução final, nos casos de
apoderamento ilícito de aeronaves, amoldando-se assim ao rol de
competências que lhe foram conferidas pela nova Constituição
Federal.
Entre
1988 e 1989, o COT, com os insuficientes recursos de que ainda
dispunha, mas movido pela abnegação e pela força de vontade dos
seus integrantes, realizou várias missões de resgate de aeronaves
sob apoderamento, obtendo grande sucesso, o que veio a consolidar não
somente o seu prestígio, mas também a decisão política de
mantê-lo como um órgão permanente, integrante da estrutura do DPF.
Finalmente,
ao tomar posse o novo Presidente da República, no dia 15 de novembro
de 1990, foi editado o Decreto nº 99.180/90, que reestruturou os
órgãos da administração pública federal e fez incluir o COT na
estrutura orgânica do Departamento de Polícia Federal.
Hoje,
o COT cresceu em importância e prestígio, tanto no Brasil como no
estrangeiro.
Conta
com instalações, armas e equipamentos que não deixam nada a dever
aos das “SWATs” de algumas policiais norte-americanas, que
tivemos o anseio de visitar.
Adota
a concepção tática de doze homens, sendo chefiado por um delegado
de polícia federal e integrados, agentes e escrivães.
Assim,
das categorias funcionais existentes no DPF, somente as de censores,
peritos e a de papiloscopistas não possuem representantes no COT,
embora o Censor Federal ANGELO DE OLIVEIRA SALIGNAC tenha sido um dos
fundadores daquele grupo tático e participado de muitas de suas
missões..
Seus
integrantes, sempre recrutados na base do voluntariado, da conduta
profissional ilibada e do potencial individual para execução de
tarefas de riscos, são treinados e aprestados dentro do “realistic
training” preconizado pela doutrina moderna e “aprendem a
desenvolver uma total confiança nas suas armas e habilidades”,
para usar as palavras do Major
JOHN PLASTER,
Diretor de Instrução da Escola de Franco-atiradores da Guarda
Nacional de Minnesota, EUA.18
Esses
padrões de treinamento e de desempenho do COT garantem à Polícia
Federal uma considerável segurança no trato com situações de
crise.
TEMAS
PARA DISCUSSÃO
- Proceda a uma análise crítica dos fundamentos doutrinários do grupo tático especial.
- Discuta os desdobramentos jurídicos e doutrinários do compromisso de matar.
- Discuta e analise os princípios do grupo tático especial.
- Um secretário de segurança pública decide empregar o grupo “SWAT” da polícia militar do seu Estado como apoio a uma operação policial destinada a capturar de surpresa perigosos marginais que infestam uma favela da periferia da capital. Analise essa decisão sob o enfoque dos princípios éticos do grupo tático preconizados pela doutrina de Gerenciamento de Crises. No mesmo exemplo, observe se haveria alguma situação específica, na citada operação policial, em que se justificasse o emprego da “SWAT”.
- Sob o prisma da competência constitucional do DPF, existe necessidade de que este órgão policial mantenha uma “SWAT”? Justifique e enumere situações hipotéticas em que isso possa ocorrer.
- Todas as “SWATs” norte-americanas adotam o princípio de “no females”, isto é, a não-inserção de mulheres no grupo. Parece que essa é também a postura adotada pelas demais organizações do gênero pelo mundo afora. Faça uma análise crítica acerca da utilização de pessoas do sexo feminino num grupo especial, principalmente levando em consideração a coesão do grupo e a necessidade de convivência diuturna dos seus integrantes.
CAPÍTULO
IX
PERÍMETROS
TÁTICOS REGRAS A SEREM OBSERVADAS NA SUA INSTALAÇÃO
Estudando,
no Capítulo anterior, o grupo tático especial (“SWAT”), antes
de se passar ao estudo do chamado plano
específico, Objeto do
próximo Capítulo, faz-se necessário abordar o tema dos perímetros
táticos, referido, de
passagem, no início do Capítulo IV.
Os
perímetros táticos
são um assunto de relativa simplicidade, mas que, devido à sua
enorme importância para a disciplina de Gerenciamento de Crises,
merecem e precisam ser destacados num capítulo especial deste Curso.
Conforme se estudou anteriormente, a autoridade policial, ao tomar
conhecimento de uma crise, deve adotar aquelas três medidas
preliminares e essenciais sintetizadas nos verbos CONTER,
ISOLAR e NEGOCIAR.
O
isolamento do ponto crítico executa-se através dos chamados
perímetros táticos.
É
tão fundamental o estabelecimento dos perímetros táticos que é
praticamente impossível uma crise ser gerenciada sem eles. A
intervenção da mídia, a ação de curiosos e o tumulto de massa
que são geralmente verificados em torno do local onde se desenrolam
as crises tornam absolutamente necessário o estabelecimento desses
perímetros.
A
experiência tem demonstrado que quanto melhor for o isolamento do
ponto crítico, mais fácil se torna o trabalho do gerenciamento da
crise.
Na
crise ocorrida na Penitenciária Central do Estado do Paraná, em
1989, já mencionada no Capítulo I, um dos pontos altos de todo o
processo de gerenciamento foi o perfeito isolamento do ponto crítico
promovido pela PM/PR. A mídia e os curiosos ficaram afastados a
pelo menos uns quinhentos metros do local da crise, o que
proporcionou uma cômoda e desenvolta atuação dos responsáveis
pelo gerenciamento, livres que estavam de qualquer influência
estranha.
Infelizmente,
essa não tem sido a regra verificada nas crises que recentemente
assolaram o país. O que se tem verificado, na realidade, são casos
e mais casos de isolamentos mal feitos e ineficientes, que
transformam o ponto crítico num autêntico mercado persa, bem ao
vezo do nosso comportamento latino-americano.
Para
citar um bom exemplo, basta lembrar o caso do atirador de elite da
PM/SP que matou uma refém com um tiro de carabina, fato esse já
narrado no Capítulo anterior. O isolamento do ponto crítico naquela
ocasião estava tão deficiente que, na hora do tiro fatal, o
atirador de elite dialogou com um repórter, manifestando o seu
propósito de atirar, e uma câmara de televisão filmou o ponto de
visada e o ângulo de tiro da carabina. Isso foi um autêntico
sacrilégio.
Seria
“mutatis mutandis”, o mesmo que admitir, numa sala de cirurgia
onde se realiza uma arriscada intervenção cirúrgica, a presença
de um bando de jornalista e repórteres de televisão sem qualquer
assepsia ou preparo prévio. E tal imprudência, infelizmente, deu no
que deu...
Os
perímetros táticos são dois: o interno
e o externo.
O
perímetro tático interno é
um cordão de isolamento que circunda no ponto crítico, formando o
que se denomina de zona
estéril. No seu interior,
somente devem permanecer os bandidos, os reféns (se houver) e os
policiais especialmente designados. E ninguém mais.
Até
mesmo aqueles policiais curiosos, que sempre aparecem nos locais de
crises para prestarem alguma colaboração ou por simples
curiosidade, devem ser sumariamente expulsos da zona estéril.
Esse
perímetro interno deve ser patrulhado por policiais uniformizados,
que tenham, de preferência um temperamento alerta e agressivo, para
afugentar os intrusos. É bom lembrar que es patrulhamento não deve
ser feito pela “SWAT”, cuja missão na crise é bem outra, já
estudada no Capítulo anterior.
O
perímetro tático externo
é destinado a formar uma zona
tampão entre o perímetro
interno e o público. Nele ficam instalados o posto
de comando (PC) do
comandante da cena de ação e o posto
de comando tático (PC), do
comandante do grupo tático especial (“SWAT”).
No
interior desse perímetro, admitem-se o trânsito e a permanência de
policiais que não estejam diretamente envolvidos com o gerenciamento
do evento crítico, pessoal médico, pessoal de apoio operacional
(corpo de bombeiros, peritos criminais, motoristas de ambulâncias,
etc) e a mídia (quando da realização de “briefings” ou
entrevistas).
O
patrulhamento desse perímetro deve também ser confiado a policiais
uniformizados, mas já não se faz necessário que sejam do tipo
agressivo, bastante apenas que sejam suficientemente alerta para não
permitir o ingresso de pessoas não-autorizadas na zona tampão.
Os
dois perímetros são imprescindíveis.
Entretanto,
importar lembrar que o seu tamanho, forma e abrangência vão variar
de caso a caso, a critério do comandante da cena de ação, sendo
uma função cuja principal variável é o ponto crítico.
Evidentemente,
a conformação e a abrangência dos perímetros táticos vão
depender da natureza, da localização e do grau de risco do ponto
crítico.
Nessas
condições, é de se esperar que o isolamento de uma agência
bancária onde se desenrola um assalto não terá as mesmas
características e o mesmo grau de dificuldade, se essa agência
bancária estiver localizada numa cidadezinha do interior ou em plena
Avenida Paulista, na capital de São Paulo.
O
mesmo se diga de um apoderamento ilícito de uma aeronave, se tal
evento ocorreu num aeroporto internacional, das dimensões do
Aeroporto do Galeão ou de Guarulhos, ou se tem lugar num aeroporto
de uma pequena capital do Nordeste.
Contudo,
uma coisa deve ser sempre lembrada: não importam quais os óbices ou
dificuldades, o isolamento do ponto crítico deve ser realizado – a
todo custo – sob pena de comprometer o êxito da missão de
gerenciamento da crise.
Uma
regra valiosa não deve ser esquecida ao se estabelecer o contorno
dos perímetros táticos: quanto mais amplos forem os perímetros,
mais contorno se torna a sua manutenção, por exigir um maior número
de policiais e causar mais transtornos na rotina das pessoas que
vivem nas proximidades do ponto crítico, ou dele se utilizam.
São
tantos os problemas que ocorrem nesses perímetros (especialmente no
perímetro tático externo), que o comandante da cena de ação ao
defini-los, deve encarregar um auxiliar para especificamente resolver
os que porventura sujam. O isolamento do ponto crítico não deve se
limitar apenas ao estabelecimento dos perímetros táticos.
De
nada adiantará a implantação de perímetros táticos, se os
causadores do evento crítico continuarem a dispor de telefones e
outros equipamentos com que possam, a qualquer momento, se comunicar
com o mundo exterior.
Dentro
dessa ordem de idéias, uma das primeiras preocupações do
comandante da cena de ação, nas suas tarefas preliminares de
isolamento do ponto crítico, deve ser a de cortar a comunicação
dos bandidos com o mundo exterior. A colaboração da companhia
telefônica da localidade é providencial, nesses casos.
Não
somente os telefones aptos a ligações externas devem ser cortados.
Também os equipamentos de telex e até rádios e televisores devem
ser inutilizados, por meio de um oportuno corte da energia elétrica.
No
caso da crise da Penitenciária Central do Estado do Paraná, em
1989, a existência de um televisor em funcionamento no interior do
ponto crítico levou os responsáveis pelo gerenciamento da crise a
uma situação bastante embaraçosa perante os bandidos.
No
exato momento em que o Juiz das Execuções Penais procurava ganhar
tempo, alegando para os bandidos que o Secretário de Segurança
Pública do Estado não havia autorizado a entrega de um carro-forte
exigido por eles, o chefe deles respondeu: - “Que
conversa fiada é essa, Doutor, nós acabamos de ver, no noticiário
da televisão, o Secretário de Segurança dizer que já tinha
autorizado e entregue o carro-forte”.
É
importante observar que o erro de gerenciamento havido nesse caso
não se limitou apenas à existência de televisor ligado, no
interior do ponto crítico. Errou também sua Excelência, o
Secretário de Segurança Pública, ao revelar à mídia uma decisão
sem antes consultar o comandante da cena de ação sobre a
conveniência daquela revelação.
“Mutatis
mutandis”, foi o mesmo
erro que cometeu a PM/MG, no caso da crise de Betim, estudada no
Capítulo VII.
Naquela
oportunidade, cometeram a estultice de revelar à mídia que a
polícia estava implantando um equipamento de escuta sofisticado
sobre o telhado da casa, onde, ao final da crise, os bandidos se
refugiaram.
Resultado:
através de um rádio portátil, os bandidos ficaram sabendo do fato
e passaram a se comunicar entre si em voz baixa e usando a
incompreensível gíria que era utilizada no presídio de onde haviam
fugido, neutralizando assim a tática da polícia.
Discute-se
se o fornecimento de energia elétrica ao ponto crítico deve ou não
ser interrompido, mormente quando se sabe da existência de rádios e
televisores naquele local.
Há
quem argumenta que a existência de um televisor em funcionamento no
interior do ponto crítico serve para relaxar as tensões emocionais,
tanto dos reféns quanto dos bandidos, mantendo estes últimos menos
alerta quanto ao fator tempo, que a televisão ajuda a passar. Além
do mais, entendem os defensores desse ponto de vista que a
desativação do televisor, pelo fato de somente ser conseguida pelo
corte do fornecimento de energia elétrica, pode trazer perigo para
os reféns, principalmente à noite, quando o ponto crítico ficar às
escuras. Isso sem falar nas dificuldades e riscos a serem enfrentadas
pela “SWAT”, para ingressar no interior daquele local onde a
visibilidade está prejudicada.
Os
que defendem o corte da energia elétrica entendem que os riscos
advindos dessa medida compensam os benefícios, pois além de evitar
o uso de aparelhos que possam ensejar um contato dos bandidos com o
mundo externo, colocam-nos (e também os reféns, é claro) numa
situação de inferioridade e desconforto, que pode ser um fator
decisivo para abreviar uma solução da crise.
Além
do mais, o comandante da cena de ação poderá, sempre que julgar
necessário, retomar o fornecimento de energia elétrica.
De
qualquer forma, a discussão ainda permanece, sendo aconselhável que
o comandante da cena de ação, no seu encargo de isolar o ponto
crítico, adote a solução mais adequada à situação.
O
que de fundamental deve ser feito para evitar que os bandidos saibam
o que se passa fora do ponto crítico é estabelecer uma linha de
conduta correta no trato com a mídia, centralizando o fornecimento
de informações e procedendo a uma seleção criteriosa de tudo
aquilo que deve ser liberado para os órgãos de notícia e para os
profissionais de informação.
TEMAS
PARA DISCUSSÃO
- Vantagens do estabelecimento dos perímetros táticos para o bom êxito de uma crise.
- Cite um caso de seu conhecimento e discuta de crise prejudicada pelo não-estabelecimento dos perímetros táticos.
- Os perímetros táticos e os seus reflexos negativos junto à mídia. Como contornar o problema.
- Desvantagens de um perímetro tático excessivamente amplo.
- O isolamento das comunicações do ponto crítico com o mundo exterior. Aspectos positivos e negativos dessa medida.
- Discuta as alternativas de isolamento que podem ser adotadas para o caso de os bandidos estarem de posse de um telefone celular no interior do ponto crítico.
CAPÍTULO
X
O
PLANO ESPECÍFICO. O PAPEL DA INTELIGÊNCIA NESTA FASE. ESTUDO
CRÍTICO DAS PRINCIPAIS OPÇÕES TÁTICAS EM USO. A DECISÃO PARA USO
DE FORÇA LETAL. A RENDIÇÃO E A RESILIÊNCIA.
Dada
a resposta imediata, com a contenção e o isolamento da ameaça e o
início das negociações, principia-se a fase do Plano Específico,
que é aquela em que o comandante da cena de ação procura encontrar
a solução do evento crítico.
Nesta
fase, o papel das informações (inteligência) é preponderante. As
informações colhidas e devidamente analisadas é que vai indicar
qual a solução para a crise.
Obrigatoriamente,
inicia-se o plano tático, opção que nunca deve ser descartada no
processo de gerenciamento de crises, valendo lembrar que a solução
tática (emprego de “SWAT”) é sempre a menos desejada das
opções, sendo seu uso aconselhado somente para casos terminais,
quando toda e qualquer negociação se tornou inviável e o risco de
vida dos reféns é grave e iminente.
Toda
opção tática é baseada nos seguintes fundamentos teóricos:
RAPIDEZ, SUPRESA e
AGRESSIVIDADE DA AÇÃO.
Deve
a ação intimidar e sobrepujar a tal ponto os bandidos que o
instinto de sobrevivência force a atenção dos reféns para os
policiais atacantes. Naquele breve momento de indecisão, os
policiais atacantes, tendo teoricamente as vantagens do treinamento
superior, da surpresa e do equipamento de proteção, serão capazes
de neutralizar os bandidos e separa-los dos reféns.
Essa
ação tática deve ser realizada por policiais que sejam eficientes
nas habilidades de:
- penetrar rápida e completamente;
- mover-se rapidamente; e
- atirar com rapidez e precisão.
As
opções táticas a serem empregadas pela “SWAT” dependerão
muito das condições de cada caso. Assim, serão analisados os
objetivos (ponto crítico onde se encontram os bandidos), as
condições do terreno, as condições meteorológicas, o armamento
de que dispõem os bandidos e as próprias condições de equipamento
e de pessoal da “SWAT”.
Nessas
condições, o comandante da cena de ação juntamente com o
comandante da “SWAT” decidirão, por exemplo, se o ataque será
tipo espalhado ou múltiplo, ou do tipo dinâmico.
O
ataque espalhado ou múltiplo é aquele em que os policiais atacantes
entram no ponto crítico através de diversos locais (portas,
janelas, teto, geladeiras, etc).
O
ataque dinâmico é aquele em que os policiais ingressam no ponto
crítico através de uma única entrada. Geralmente essa situação
ocorre naqueles pontos críticos onde existe apenas uma entrada ou
local de acesso.
O
comandante da cena de ação e o comandante da “SWAT” deverão
também decidir qual a opção tática a ser utilizada.
A
seguir serão indicadas as principais opções táticas com a
apresentação das suas respectivas vantagens e desvantagens.
a)
ASSALTO A BARRICADA (ÁREA CONFINADA)
DEFINIÇÃO:
consiste num ataque planejamento contra um local de crise confirmado,
geralmente um edifício, porém pode incluir navios, trens e
aeronaves.
VANTAGENS
- Os bandidos estão confinados;
- As negociações são geralmente viáveis;
- Permite concentrar o aparelhamento da coleta de informações num único alvo;
- Facilita o controle do ponto crítico. Porquanto os parâmetros são definidos.
- O terreno e a situação podem permitir aos atacantes aproximarem-se bastante do ponto crítico, aumentando o fator surpresa.
DESVANTAGENS:
- As defesas preparadas dos bandidos aumentam o risco.
- As vias normais de aproximação podem estar por eles bloqueadas.
- Os atacantes geralmente estão ingressando num terreno que não lhes é familiar.
- Os bandidos estão familiarizados com o terreno.
b.
INTERDIÇÃO EM CAMPO ABERTO
DEFINIÇÃO:
os bandidos são neutralizados por franco-atiradores ou por policiais
atacantes, ou uma combinação simultânea de ambos, utilizando
procedimentos de escolha concomitante de alvos, movendo-se em direção
aos bandidos, numa área aberta. É a ação típica de quando os
bandidos se deslocam do ponto onde se encontravam protegidos e se
dirigem, em campo aberto, para apanhar uma viatura ou uma aeronave.
VANTAGENS:
1.
Não é necessária nenhuma penetração.
2.
Os grupos de franco-atiradores podem se posicionar e se esconder
adredemente.
3.
Colocar os bandidos em terreno não-familiar.
4.
Reduz a defensibilidade dos bandidos.
5.
Explora e aproveita a capacidade de alcance de tiro dos
franco-atiradores.
6.
Aumenta a concentração de fogo nos bandidos.
DESVANTAGENS:
1.
Controle difícil. Requer cronometragem e coordenações precisas.
2.
Depende da rádio-comunicação.
3.
Risco de interferência do público ou da mídia.
4.
Aplicável somente quando houver um número reduzido de bandidos.
5.
Pode ser objeto de bisbilhotagem ou exploração pelo público e pela
mídia.
- EMBOSCADA A VEÍCULO
DEFINIÇÃO:
neutralização dos bandidos
em trânsito através
da violenta obstrução,
penetração e ataque do veículo que os conduz juntamente com os
reféns.
VANTAGENS:
1.
Remove os bandidos de locais que lhe são familiares.
2.
Possibilita oportunidade para otimização da escolha da rota e do
local da emboscada.
3.
Reduz as possibilidades de defesa dos bandidos.
4.
É a melhor maneira de reduzir a quantidade de reféns, porquanto os
bandidos não poderão levar uma grande quantidade de pessoas nos
veículos.
5.
Pode ser desenvolvida em localidades remotas.
6.
Permite uma grande quantidade de manobras diversionais e deceptivas.
7.
Explora a vantagem da surpresa.
8.
Dificulta contra-ataques dos bandidos.
DESVANTAGENS:
1.
É altamente dependente de uma boa rádio-comunicação, o que pode
ser um problema se a ação for deflagrada em locais muito distantes.
2.
O controle pode ser difícil devido a súbitas mudanças de rota
pelos bandidos. O plano de emboscada deve ser, portanto simples e
fácil de ajustar.
3.
Requer execução precisa.
- INFILTRAÇÃO SIGILOSA DO PONTO CRÍTICO
DEFINIÇÃO:
inserção sigilosa de um
grupo de “SWAT” no ponto crítico, com a finalidade de dali
iniciar um ataque. Foi a tática utilizada pelos ingleses para
invasão da Embaixada da Líbia, em 1984, ocupada por extremista s
iranianos.
VANTAGENS:
- Excelente fator surpresa e de impacto, porque os atacantes podem ter um contato rápido e direto com os bandidos.
- Excelentes informações sobre o ponto crítico, antes do ataque.
- Possibilita uma ótima cronometragem do ataque.
- Reduz a necessidade de uso de explosivos de efeito moral.
DESVANTAGENS:
1.O
equipamento de rádio não pode ser usado, dada a proximidade dos
bandidos, que poderão escuta-lo.
2.
Fácil de ser detectado devido à proximidade dos bandidos,
requerendo a infiltração movimentos imperceptíveis por parte dos
policiais.
- ATAQUE INTEGRADO
DEFINIÇÃO:
consiste no uso combinado
de franco-atiradores e de policiais atacantes no sentido de se
aproximarem do ponto crítico, neutralizando os bandidos com o uso
coordenado de tiros dos franco-atiradores e de ingresso do grupo de
ataque.
VANTAGENS:
1.
Aproveita concomitantemente o poder de fogo dos franco-atiradores e
do grupo de ataque.
2.
O uso de franco-atiradores tem excelente efeito diversivo.
3.
Efeito de surpresa e de choque.
4.
Explora rotinas adquiridas pelos bandidos.
DESVANTAGENS:
1.
Se os franco-atiradores falharem, o efeito surpresa ficará
prejudicado;
2.
Requer controle preciso, sincronia a execução arrojada por parte
dos franco-atiradores.
3.
É difícil de controlar.
- ASSALTO DE EMERGÊNCIA
DEFINIÇÃO:
consiste naquele ataque
executado apressadamente, com o mínimo de dados de informações e
de planejamento, justificado apenas em casos de iminente perigo de
vida para os reféns. Essa possibilidade deve sempre ser encarada
pela “SWAT”, até que exista um específico para a crise.
VANTAGENS:
1.
Elemento surpresa.
2.
Reduz o tempo dos bandidos estabelecerem suas próprias defesas.
3.
Possibilita uma imediata opção de força.
DESVANTAGENS:
1.
Falta de planejamento deliberado.
2.
Limitado a exercício de ensaio.
3.
Limitado a análise das informações obtidas.
4.
O tempo de preparação individual é mínimo.
Como
se observa, as opções são várias e as acima descritas representam
meros exemplos. Cada uma delas, seja qual for, apresenta vantagens e
desvantagens, prós e contras, que deverão ser criteriosamente
analisados pelo tomador da decisão de uso de força letal.
A
decisão de uso de força letal também denominada solução
tática do evento crítico,
nem sempre recai sobre o comandante da cena de ação. Muitas vezes,
componentes de ordem política levam essa decisão aos gerentes da
crise, que podem estar entre os mais altos escalões da organização
policial envolvida ou também do próprio poder político do Estado
ou do País.
É
importante lembrar que a decisão de uso de força letal é
irreversível. Uma vez dada a ordem de ataque à “SWAT” e
iniciado o ataque, este não mais tem retorno. A “SWAT” executará
sua missão num único e rápido movimento, que só terá termo com a
rendição ou morte de tordos os bandidos, podendo causar também
baixas entre os policiais atacantes e os reféns.
Por
essas razões a doutrina de gerenciamento de crises recomenda como
prioridade absoluta a solução negociada dos eventos críticos,
somente se utilizando a força letal em último caso.
A
solução do evento crítico através da negociação pode resultar
numa rendição dos bandidos ou numa resiliência das forças
policiais, concordando com as exigências feitas pelos primeiros.
Uma
terceira saída seria a chamada transferência da crise, a qual
ocorre quando os bandidos e os reféns obtêm permissão para se
deslocarem para um outro Estado, onde a crise será gerenciada. Às
vezes essa saída (que não chega a ser uma solução) é
recomendável, principalmente quando as condições de terreno e de
equipamento do organismo policial não permitem um gerenciamento
eficiente da crise. Essa opção é também uma ótima maneira de se
ganhar tempo, possibilitando uma maior segurança para os reféns
através da evolução da chamada “Síndrome de Estocolmo”.
TEMAS
PARA DISCUSSAO
1.
A quem cabe a elaboração do plano específico para a solução de
um evento crítico?
2.
Análise das diversas opções táticas de solução de uma crise.
3.
Fatores em que é baseado o uso de solução tática de um evento
crítico.
4.
Considerações sobre a responsabilidade do comandante da cena de
ação em casos de uso de força letal. Papel do comandante da cena
de ação durante a operação tática.
- A rendição e a resiliência. Enumere as tarefas do comandante da cena de ação para assegurar o bom êxito dessas espécies de solução de eventos críticos.
CAPÍTULO
XI
A
RESOLUÇÃO. FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA RESOLUÇÃO COM USO DE FORÇA
LETAL. PREPARATIVOS FINAIS PARA A EXECUÇÃO DESSA FASE. ATRIBUIÇÕES
DO COMANDANTE DA CENA DE AÇÃO NESSA FASE.
A
Resolução é a última fase do gerenciamento de uma crise.
Nela
se executa e implementa o que ficou decidido durante a fase do Plano
Específico.
Como
ficou dito no final do Capítulo anterior, várias podem ser as
soluções encontradas para um evento crítico. A rendição pura e
simples dos bandidos, a saída negociada, a resiliência das forças
policiais, o uso de força letal, ou até mesmo a transferência da
crise para um outro local são alguns exemplos dessas soluções.
Não
importa qual seja a solução adotada, ela há de ser executada ou
implementada através de um esforço organizado que se denomina
Resolução.
A
Resolução se impõe como uma imperiosa necessidade para que a
solução da crise ocorra exatamente dentro daquilo que foi planejado
durante a fase do Plano Específico e sem que haja uma perda do
controle da situação por parte da polícia.
A
crise, como evento crucial é, costuma apresentar, durante todo o seu
desenrolar, ciclos de perigo de maior ou menor intensidade, que
variam em função dos acontecimentos que se sucedem e,
principalmente, do estado emocional das pessoas envolvidas.
Se,
se pudesse traçar um gráfico do nível de perigo de cada evento
crítico que ocorre, verificar-se-ia que, a par da imensa variedade
que existiria de caso a caso, todos eles, sem exceção,
apresentariam em comum dois momentos onde o nível de perigo atinge a
gradação mais elevada: o início da crise (os primeiros 15 e 45
minutos) e o seu final.
Mesmo
nos casos em que o epílogo da crise ocorre de uma forma mais branda
(como na solução negociada, por exemplo), o nível de perigo e
tensão nos momentos finais do evento é sumamente elevado. Um passo
em falso, um gesto mais brusco, um ruído inesperado ou um
contratempo qualquer pode ser interpretado erradamente pelos
policiais ou pelos bandidos e desencadear um incidente de
conseqüências imprevisíveis e até fatais.
Por
tudo isso, a Resolução assume um papel de suprema importância no
Gerenciamento de Crises, assegurando o bom êxito da solução
escolhida.
Durante
a Resolução, a figura do comandante da cena de ação assume um
papel de vital importância. É ele o maestro responsável pela
harmônica execução do ato final dessa complexa e trágica ópera
que é a crise.
No
Capítulo VI, quando se estudou especificamente a missão e as
responsabilidades do comandante da cena de ação, foram enumeradas
algumas atribuições desse policial na fase da Resolução. Tal
enumeração, evidentemente, foi meramente exemplificativa,
objetivando dar ao leitor uma idéia do papel daquele comandante
nessa fase, eis que, a depender da complexidade da crise, tais
atribuições poderão ser mais ou menos numerosas e de uma natureza
mais simples ou multiforme.
DONALD
A. BASSET19
classifica as tarefas do comandante da cena de ação nessa fase em
oito grandes grupos, dentro dos quais inúmeras ações secundárias
poderem coexistir.
Dentro
dessa classificação, aqui adaptada às contingências de natureza
legal da polícia brasileira, as ações do comandante da cena de
ação durante a Resolução estariam assim agrupadas.
- MANUTENÇÃO DO CONTROLE DA ÁREA CRÍTICA
Dentro desse grupo estariam tarefas
como:
- conservar e reforçar os perímetros táticos, ampliando-os e adaptando-os, se necessário, à ação tática escolhida;
- alertar os elementos da patrulha dos perímetros táticos para protegerem, no caso de previsão de tiroteio;
- providenciar, antes do início da Resolução, o posicionamento de ambulâncias, helicópteros, pessoal médico e paramédicos para socorro de eventuais feridos.
- Providenciar, no caso de resiliência em solução negociada mediante fuga dos bandidos, a desobstrução do caminho, rua ou artéria escolhida para a evasão do ponto crítico, a fim de que algum curioso ou circunstante mais exaltado agrida os bandidos.
- CONTINUAÇÃO DAS NEGOCIAÇÕES
Como
se tem insistido “ad
nauseum” ao longo deste
manual, a negociação é quase tudo no gerenciamento de crises.
Mesmo quando todos os recursos de negociação estão esgotados e
exauridos e já houve a decisão pelo uso de força letal, mesmo
assim a negociação deve continuar, pois num último instante pode
haver uma mudança de atitude dos bandidos que possibilite uma
solução menos traumática para a crise.
Também
nos casos de já ter havido um acordo com os bandidos para uma
solução negociada, uma resiliência ou uma transferência da crise,
recomenda-se que as negociações continuem até o exato momento do
inicio da Resolução, pois sempre há possibilidade de que os
causadores da crise cedam um pouco mais, liberando mais algum refém,
fazendo qualquer outro tipo de concessão à polícia ou ainda
ajudando-a com idéias e propostas que facilitem a execução e o bom
êxito da Resolução.
Por
outro lado, não se deve nunca esquecer do papel tático do
negociador, que, ao proceder a continuidade das negociações pode,
como derradeiro átimo, colher algum dado ou por em prática algum
estratagema que seja de grande valia para o sucesso da Resolução.
C.
CONTINUAÇÃO DA COLETA E DO PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÕES ATRAVÉS
DE TODAS AS FONTES.
Conforme
se estudou no Capítulo II, o responsável pelo gerenciamento de uma
crise há que estar sempre alertado para a coleta de dados de
informações acerca do evento crítico.
Esse
processo não se deve interromper com a chegada da Resolução,
porquanto dados pormenorizados e recentes são essenciais para
subsidiar a ação policial escolhida.
D.
AÇÕES TOMADAS NO CURSO DA RESOLUÇÃO
D.1
– No caso de rendição:
- usar de cautela. A rendição tem que ser bem orquestrada para evitar surpresas. Um movimento inesperado pode ser mal interpretado tanto pelos policiais como pelos bandidos e resultar numa catastrófica reação em cadeia.
- o plano especifico há de ser formulado, ensaiado e executado pelo grupo tático.
D.2 – No caso de uso de força
letal:
- incapacitar e controlar os bandidos.
- controlar os reféns (se houver).
- Manter o ponto crítico sob controle, evitando invasões de estranhos.
- Socorrer os reféns, mantendo-os sempre escoltados.
- Evacuar os reféns e os bandidos, mantendo esses últimos, algemados e em local seguro.
- Identificar com segurança todos os reféns, mantendo o controle da situação até que todas as verdadeiras identidades sejam confirmadas e cuidando para que os bandidos não se façam passar por reféns.
E.
AÇÕES DE POLÍCIA JUDICIÁRIA
- Levantamento do local do crime.
- Realização de perícias.
- Realização de exames de corpo de delito nos reféns, bandidos e policiais porventura feridos.
- Ações de apoio às autoridades policiais que foram adredemente indicadas para a lavratura dos atos de polícia judiciária cabíveis.
F.
AÇÕES DE DESMOBILIZAÇÃO
- Reunir os policiais para avaliar a situação e dar inicio à desmobilização.
- Providenciar a remoção de armas, explosivos, munições e quaisquer outros equipamentos de segurança utilizados na operação.
- Realizar um último “briefing” com a mídia.
- Desativar o PC.
G.
AÇÕES DE AVALIAÇÃO E CRÍTICA
Essa
avaliação deve ser realizada tão logo quanto possível, havendo
necessidade de que se proceda a uma severa autocrítica, por mais
consagradora que tenha sido a operação.
Não
se deve esquecer que uma operação bem-sucedida não significa
necessariamente uma operação bem feita. A afloração e o
indigitamento das falhas e erros cometidos é muito mais proveitoso
para a avaliação do que a fátua louvação dos eventos.
A
crítica deve ter uma característica balística, abrangendo o
sistema, os homens (individual e coletivamente), o equipamento e a
própria doutrina do Gerenciamento de Crises.
Não
se deve esquecer que toda doutrina que não se renova e se aprimora,
tende a se ancilosar e perder a sua validade em face de natural
evolução das coisas.
H.
RELATÓRIO PÓS-AÇÃO (OU RELATÓRIO DE MISSÃO)
Muito
embora se trate de uma tarefa, que, a exemplo de “AVALIAÇÃO
E CRÍTICA” examinados na
alínea anterior, não faça parte da Resolução propriamente dita,
sendo mais correto inseri-la como uma tarefa pós-Resolução ou até
mesmo pós-Crise, o autor DONALD
A. BASSET a incluiu no
contexto da Resolução, por razões desconhecidas. E por estrita
fidelidade ao insigne mestre assim também o fizemos neste Manual.
Esse
Relatório deve ser elaborado segundo a praxe e o estilo de cada
organização policial. É tarefa de responsabilidade do comandante
da crise de ação, que poderá se valer de relatórios setoriais ou
se apresentados pelo comandante da “SWAT”, pelo chefe do grupo de
negociadores e pelos responsáveis pelos elementos de apoio,
assessoria e inteligência, condensando-se tudo num único documento.
Os
Relatórios Pós-Ação (ou Relatórios de Missão) devem ser
esmeradamente elaborados, por se constituírem nas únicas fontes
confiáveis para futuros estudos de casos por estudiosos da doutrina.
TEMAS
PARA DISCUSSÃO
- Em 1992, na cidade de Matupá/MT, três bandidos foram linchados e queimados vivos pela multidão, após haverem se entregado espontaneamente à polícia ao final de um seqüestro em que não houve vítimas entre os reféns. Analise esse evento, destacando os erros de resolução cometidos pelos policiais.
- Leia o Estudo de Caso apresentado no apêndice deste Manual e aponte os erros de resolução que porventura observa.
- No dia 18set91, em Cambira/PR, a PM/PR tomou de assalto um ônibus em cujo interior três bandidos fortemente armados mantinham mais de vinte pessoas como reféns. Como resultado da ação de resgate, houve três mortes e oito feridos. Dentre os mortos havia um bandido, um refém e um curioso que observava a ação policial. A morte daquele transeunte pode ser apontada como um erro de resolução, especialmente no tocante à manutenção do controle da área crítica?
4. Em termos de polícia federal,
quais as ações de polícia judiciária mais importantes a serem
tomadas após o encerramento de um evento crítico.
5. Analise a importância da avaliação
e da crítica realizadas logo após o desfecho de uma crise.
CAPÍTULO
XII
VITIMOLOGIA.
ORIENTAÇÕES GERAIS DESTINADAS AOS CIDADÃOS PARA O ENFRENTAMENTO DE
SITUAÇÕES DE CRISE.
A
doutrina de Gerenciamento de Crises seria incompleta se não cuidasse
de uma das mais importantes personagens desse teatro do horror que
são justamente as vítimas, isto é, as pessoas que eventualmente se
vêem envolvidas em situações dessa natureza, ora como reféns, ora
como parentes ou amigos destes.
Dentro
de sua concepção holística a doutrina estabelece certos
comportamentos a serem adotados pelas vítimas, comportamentos esses
que serão objeto de orientação por parte da polícia, na sua
interação com a comunidade, em palestras, encontros, etc.
O
Capitão Frank Bolz, no seu livro “How
to be a hostage and live”,20
estabelece rotinas comportamentais a serem cumpridas pelos cidadãos
tanto na fase que antecede a ocorrência de crise, como após a
verificação de tais incidentes.
Essas
medidas são as seguintes:
MEDIDAS
PREVENTIVAS
1)
NO LAR: Observe os procedimentos básicos de segurança. Tranque,
olhe e ouça.
2)
AO FAZER COMPRAS: Observar o interior da loja antes de entrar. Preste
atenção ao que está ocorrendo ao seu lado.
3)
NO TRABALHO: Ao sair e ao chegar, evite a rotina, percorrendo
caminhos diferentes. Observe a presença de estranhos.
4)
NO ESCRITÓRIO OU GABINETE: Evite acessos diretos ao seu escritório
ou gabinete. Tenha sempre secretária, recepcionista,
compartimentação, além de uma saída secundária, que deve ser
mantida trancada com chaves em seu poder.
5)
EM VIAGENS: Não anuncie roteiros e planos de viagens, procurando
sempre viajar em companhias aéreas regulares, tanto no país como no
exterior.
6)
EM HOTEIS: Tenha paciência e gaste dinheiro com gorjetas para o
mensageiro ou porteiro o acompanhe até o seu quarto, especialmente
em hotéis que não lhe sejam conhecidos.
LEMBRE-SE:
Um alvo fácil é sempre o mais procurado.
MEDIDAS
A SEREM ADOTADAS APÓS A OCORRÊNCIA DE UMA CRISE
- Não banque o herói... aceite sua situação e prepare-se para esperar.
- Os primeiros 15 a 45 minutos são os mais perigosos. Siga as instruções dos seqüestradores.
- Não fale, salvo se solicitado, e somente o necessário.
- Tente repousar.
- Não faça sugestões.
- Fugir? Devo ou não devo? PENSE DUAS VEZES
- Alerte os seqüestradores e solicite-lhes medicação ou ajuda, se houver necessidade.
- Seja observador. Você pode ser solto e ajudar as autoridades com suas informações.
- Esteja preparado para falar com a polícia pelo telefone.
- Não discuta.
- Trate os seqüestradores como se fossem reis.
- Seja paciente.
- Um passaporte de serviço ou diplomático pode não lhe trazer os melhores privilégios nessas situações.
- Livre-se de cousas que podem fazer com que seus seqüestradores o encarem como uma pessoa perigosa.
- Se o socorro chegar, esteja preparado para ser jogado no chão.
APÊNDICE
ESTUDO
DE CASO
DATA DO
EVENTO: 15mar94
LOCALIDADE:
Município de Eusébio, a 30 quilômetros de Fortaleza/CE
PONTO
CRÍTICO: Instituto Penal Paulo Sarasate (considerado de segurança
máxima)
NÚMERO
DE BANDIDOS: 12(doze) , capitaneados por um tal de “CARIOCA”,
possivelmente ligado ao chamado “Comando Vermelho”, do Rio de
Janeiro.
BREVE
HISTÓRICO DO EVENTO:
O
cardeal-arcebispo e representantes de entidades ligadas à defesa dos
direitos humanos visitavam o presídio, pela, manhã, para investigar
denúncias sobre as condições precárias de carceragem, bem como a
possível ocorrência de maus tratos aos detentos.
Por
volta das 10:15 horas, quando o Diretor da Penitenciária fazia a
apresentação do grupo a presos reunidos no auditório, foram
surpreendidos pela ação de vários presos, que, munidos de armas
brancas, avançaram sobre Dom Aloísio e outros religiosos,
tomando-os como reféns. Dom Aloísio foi arrancado da cadeira onde
sentava por um bandido armado de faca e arrastado para um dos cantos
do auditório. Estabeleceu-se assim um clima de pânico no local,
tendo se iniciado um tiroteio, no qual morreram dois detentos
presentes no auditório e foram feridos dois soldados da PM/CE. Os
bandidos se espalharam estrategicamente pelos cantos do auditório,
levando cada um o seu refém.
Na
confusão, os bandidos conseguiram se apoderar de um fuzil e dois
revolveres retirados dos policiais, durante o confronto inicial.
EXIGÊNCIA
DOS BANDIDOS:
Crise
de segundo grau, ou ALTÍSSIMO RISCO, de acordo com a escala do FBI.
Nessa
classificação, levou-se em consideração a quantidade de reféns,
a relevância social de um deles (Dom Aloísio), e a idade e o estado
de saúde do cardeal-arcebispo. O fato de alguns dos bandidos estarem
dispondo de armas de fogo também influenciou na classificação.
NÍVEL
DE RESPOSTA:
As
autoridades cearenses responderam a essa crise com o mais alto nível
de resposta de que poderiam dispor, inclusive solicitando o emprego
de recursos exógenos (como é o caso do COT, da Polícia Federal, e
de um grupo de policiais especializados de São Paulo, chefiados pelo
Delegado Flávio Dalmasso.
Nessas
condições, pode-se afirmar que houve uma resposta de NIVEL QUATRO,
de acordo com a escala adotada pelo FBI.
TIPOLOGIA
DOS CAUSADORES DO EVENTO:
Criminosos
profissionais, motivados pelo desejo de fuga.
ELEMENTOS
ESSENCIAIS DE INFORMAÇÃO:
a)
Bandidos - totalmente conhecidos;
b)
Reféns - totalmente conhecidos;
c)
Objetivo - conhecido;
d)
Armas - conhecidas.
A
abundância de informações a respeito dessa crise foi simplesmente
inusitada chegando-se inclusive a situação ideal de se haver
filmado a própria eclosão do evento.
ISOLAMENTO
DA ÁREA:
Muito
bom, tendo em vista que o ponto crítico se situava numa
penitenciária.
CONTENÇÃO
DA CRISE:
Muito
ruim, pois os policiais que participaram inicialmente do evento
permitiram que bandidos lhe tomassem as armas de fogo, o que veio a
contribuir para aumentar o grau de risco da crise.
DURAÇÃO
DA CRISE:
Aproximadamente
19(dezenove) horas, divididas em duas fases. A primeira delas no
interior da penitenciária, com duração de aproximadamente 13
(treze) horas, e a segunda no interior do carro-forte utilizado na
fuga, com uma duração de aproximadamente 6(seis) horas. Os últimos
reféns foram libertados exatamente às 5:15h do dia 16mar94, no
interior de um sítio localizado no município de Quixadá, a cerca
de 250 km da Capital.
SOLUÇÃO
ADOTADA:
O
atendimento total das exigências dos bandidos, com a subseqüente
perseguição ao carro-forte em que eles fugiram com os reféns.
APRECIAÇÃO
DO GERENCIAMENTO:
A
mais perfunctória análise dessa crise leva a inevitável conclusão
de que ela foi em todas as suas etapas, muito mal gerenciada.
O seu
desfecho, com a libertação de todos os reféns sãos e salvos, não
representa, por si só, uma vitória a ser comemorada pelos
responsáveis pelo gerenciamento desse evento. Muito embora a
preservação da vida seja o princípio fundamental da doutrina de
gerenciamento de crises, não se pode daí deduzir que, em nome desse
princípio, se deva atender a todas as exigências dos bandidos
(inclusive a inadmissível entrega de armas) e, de resto, ficar se
rezando para que eles soltem os reféns incólumes e em paz.
A
prevalecer tal ponto de vista (em cujo âmago não deixa de se
vislumbrar um certo comodismo), desnecessário se tornaria qualquer
trabalho de gerenciamento na eventualidade de eclosão de qualquer
crise com tomada de reféns e, com isso, não mais restaria às
autoridades outra alternativa senão a de ceder sempre e em tudo,
nessas ocasiões. Ora, se esse entendimento laxista passasse a
vigorar como regra geral, tornar-se-ia inútil qualquer ação
policial nesses eventos cruciais e a sociedade, como todo, ficariam
exposta à sanha dos marginais, que, animados pelo fenômeno do
mimetismo, passariam a ações cada vez mais ousadas, motivados pelo
sucesso obtido em eventos críticos anteriores.
Nessa
ordem de idéias, corobora-se o entendimento de que é indispensável
a existência de um gerenciamento de crises com bases científicas.
Há
que haver uma doutrina. Há que haver passos e rotinas a serem
seguidos pelas autoridades em situações dessa natureza, visando a
assegurar aquilo que, por consagrada definição, se denomina de
“solução aceitável”.
A
SOLUÇÃO PRECIPITADAMENTE DADA PELAS AUTORIDADES CEARENSES NÃO PODE
NEM DEVE SER CLASSIFICADA COMO ACEITÁVEL,
pois a vitória alcançados pelos bandidos, providos de tão parcos e
artesanais recursos, servirá certamente de modelo a ser limitado
mimeticamente por outros bandidos em outras penitenciárias.
A
compreensível angústia das autoridades pelo fato de haver entre os
reféns uma personagem da proeminência de Dom
ALOISIO LORSCHEIDER,cuja
morte naquela ocasião teria inevitáveis repercussões negativas
para o pais, não justificaria o açodamento com que foram e
esquecidos os mais elementares princípios doutrinários de
gerenciamento de crises, processo científico cuja gênese não está
nas fantasias de alguns burocratas ou técnico de polícia , mas na
experiência quase sempre cruenta , advinda dos casos semelhantes
vivenciados por policiais do mundo inteiro, ao longo de décadas.
Objetivamente analisada à luz da
doutrina, a crise do Instituto Penal Paula Sarasate evidenciou as
seguintes falhas de gerenciamento:
a)
A má atuação dos policiais que inicialmente tentaram debelar o
evento ocasionando ferimento e mortes, bem como a tomada de armas de
fogo pelos bandidos;
b)
O envolvimento direto da pessoa do Governador
de Estado na negociação. Sabe-se
por princípio doutrinário, que as negociações devem ser sempre
conduzidas por pessoas especializadas. Por outro lado, mesmo que o
governador fosse dotado de especialização nesse mister, não
poderia funcionar como negociador, porque essa atividade é
incompatível com pessoas que tenham poder de decisão. O negociador
deve sempre ser um intermediário entre as autoridades e os bandidos;
c)
A utilização, a certa altura, da mãe de um dos bandidos como
intermediária nas negociações, fato esse que é tradicionalmente
condenado pela doutrina, por ser de efeitos incertos e quase sempre
prejudiciais ao gerenciamento;
d)
A total capitulação das autoridades perante os bandidos, inclusive
com a entrega das armas exigidas, o que, além de não solucionar a
crise, aumentou o seu grau de risco em detrimento da segurança dos
reféns; e
e)
A aparente falta de unidade de comando , com um envolvimento
exagerado de organismos policiais , levando a uma situação
praticamente caótica, onde não se percebia com nitidez quem estava
encarregado de gerenciar o evento.Essa situação torno-se
particularmente evidente por ocasião da perseguição empreendida ao
carro-forte que levava os bandidos e os reféns ao longo da BR-116.
As imagens colhidas pela televisão deixaram entrever uma verdadeira
procissão de aproximadamente cinqüenta veículos policiais dos mais
diversos tipos origens e finalidades, pertencentes às mais
diferentes organizações policiais, tendo ainda veículos da
imprensa, rádio e televisão de permeio, numa perseguição
frenética e bizarra, cujo perigoso desfecho era difícil de prever
e, em tese, contraria frontalmente a decisão anterior de ceder
inteiramente ás exigências dos bandidos deixando-os fugir em paz,
para que mais tarde liberassem os reféns sãos e salvos.
Curitiba/PR,
22 de março de 1.994.
ROBERTO
DAS CHAGAS MONTEIRO
Delegado
de policia federal
B
I B L I O G R A F I A
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QUANTICO, VA, FBI
NACIONAL ACADEMY,
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SIQUEIRA,
RAIMUNDO NONATO DE et al., Nove
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Curitiba,
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&Textos , 1991 , 417 p .
1
BOLZ JUNIOR FRANK A. – “How to be a Hostage and live”, Lyle
Stuart Inc. Secaucus, nº J., 1987, página 47 e segs.
2
Veja-se o conceito de Gerenciamento de Crises, na pág.7
3
BASSET, DONALD A. Confrontation manegement, Quântico, VA.FBI
National Academy, SOARU, nov 1987, p.2.
4
FUSELIER, DWAYNE, The tactical role of
de negotiator, Washington, FBINA,
SOARU, Crisis Managenet Handout, 1988.,
passim.
5
FUSELIER, DWAYNE, ibid
6
A respeito desse assunto, leia-se o Capítulo VII.
7
FUSELIER, DWAYNE, ibid
8
FUSILIER. DWAYNE. Ibid.
9
LACAYO, RICHARD, The hostage agony.
Time Newsmagazine (1989, aug 14), p.9
10
Ibidem.
11
G. DWAYNE FUSEIER & GARY W. NOESNER, Confronting
the terrorist hostage taker, FBI Law
Enforcement Bulletin. Washington, FBI,
v. 59, n.9, July 1990, p.6-11
12
BOLZ JUNIOR, FRANK A, How to be a
hostage and live. Secaucus, New
Jersey: Lyle Stuart inc. 1987, p.73
13
Ibid., p. 74
14
) Ibid., Ibidem
15
BRAIDEN. DENNIS W. Procedure for
formulating a crisis response plan. Quantico.
VA. FBI National Academy, apr 1996, p58 e 59.
16
A propósito da ocorrência
de incidentes havidos por ocasião da entrega do resgate, veja-se o
filme “A MAIS
LONGA DAS NOITES”,
que narra o caso de uma crise gerenciada pelo FBI, nos anos
sessenta, quando uma jovem foi seqüestrada e enterrada viva, dentro
de um caixão que lhe garantia a sobrevivência por apenas sete
dias. No momento em que o pai procurava entregar o resgate, apareceu
a polícia estadual no local e fez abortar rodo o processo. Os
bandidos, que inicialmente desconfiaram de que se tratava de uma
cilada armada pelo pai da moça, somente voltaram a fazer contato
dois dias depois, prolongando assim o sofrimento da jovem, que
finalmente veio a ser desenterrada, sã e salva, após o pagamento
do resgate, numa segunda ocasião. O FBI veio posteriormente prender
os seqüestradores.
17
Trata-se de um neologismo. Essa palavra é registrada com a acepção
acima descrita no dicionário americano WEBSTER, onde consta
que tem origem russa, em razão do topônimo Balaclava, cidade onde
se travou uma batalha, durante a Guerra da Criméia, no século
passado. Sobre o emprego específico desse tempo para designar a
vestimenta policial acima descrita, veja-se THOMPSON LEROY,
European antiterrorist units. Boulder, CO, EUA, Paladim,
1985,p.82.
18
PLASTER,
JOHN,
“Police
Sniper Training”,
FBI Law Bulletin, Washington, FBI, v. 59, n.9, Sep 1990, p.1-6.
19
BASSET, DONAL A. Confrontation management, Quantico, VA, FBI
National Academy, SOARU, nov 1987, p.6/7.
20
Op cit. Pág. 11/12.
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